terça-feira, novembro 18, 2003

hoje foi dia de regressão. montei no meu cavalo baio e dei uma chegada até à idade média. iria fazer tomografia computadorizada. iria... passei o dia e a noite tomando remédios antialérgicos. cheguei aos portões da cidade , pedi que baixassem a ponte levadiça e entrei no castelo onde os nobre estavam vestidos de branco.

imediatamente foi-me servido um litro de coquetel de iodo que deveria tomar em meia hora. o sabor incrivelmente péssimo. mas como boa hóspede não reclamei da recepção. havia levado comigo um livro de boas maneiras “verso reverso controverso” traduzido por augusto de campos . enquanto aguardava o momento em que me colocariam sangue-sugas lia com fervor o poema do “ il miglior fabbro del parlar materno”, segundo ezra pound: arnaut daniel. poeta provençal da idade média.

l’aura amara


l’aura amara

l’aura amara aura amara
fa’is bruoills bramcutz branqueia os bosques,
que’l doutz espeissa ab fuoilis carcome a cor
e’is letz da espessa folhagem
becs os
dels auzels remencs bicos
tem balps e mutz, dos passarinhos-pars ficam
e non mudos pars; pares
. e ímpares.

e assim lendo o tempo foi sendo consumido agradavelmente. antes de mim entrou uma senhora com seus oitenta anos, dobrada sobre uma bengala. e de lá saiu como entrara. apesar da bengala, lépida e fagueira. enfim minha vez de penetrar no túnel do tempo desta feita
sem a companhia de meu cavalo baio. durante uns vinte minutos calculados houve a cerimônia de respirar, prender a respiração, respirar. enquanto eu deslizava suavemente pelo túnel. uma manta pesada me protegia do excessivo frio da sala de regressão.

aí senti um cheiro de ce –ce. meu sangue é ab. uma droga. pega qualquer coisa. eu que estava com os braços voltados para trás imediatamente protegi-me. reclamaram. olhei para o cavaleiro cheirando à suor. cabelo desgrenhado, barba por fazer, com aspecto de sujo, apesar do traje branco a indicar que ele pertencia a ala dos nobres. era ele e dois ajudantes que faziam coro na reclamação. por fim resolveram que seria difícil pegar minha veia para injetar nela mais um coquetel de iodo.

chamaram a enfermeira, digo a aia, que me perfurou o antebraço, as mãos, o lugar onde se pega a veia, que não sei o nome, tal a minha ignorância. de repente a delicada aia dá um salto para trás. correm todos com gazes, algodões, esparadrapos. uma veia jorrou sangue por toda a sua roupa. o sangue tingia os azulejos brancos da parede. enfim conseguiram evitar que mais sangue fosse derramado.

então declarei: meu rei e senhor, sinto pela decisão, mas aqui não fico. me tirem daqui deste treco que vou-me embora. a senhora assume? assumo respondi. pois sei que nada posso contra a vossa espada. ainda mais tendo eu assinado um termo de responsabilidade em que creditava a mim toda a responsabilidade pelos seus atos.
ainda insistiu: o exame, digo, sua experiência ficará incompleta.

ledo engano meu senhor. já tomaram de meu tempo de meu sangue. só falta deixar aqui minha vida. parto ainda completa apesar das marcas roxas que em mim deixam. envolta em gazes e esparadrapos atravessei à nado o fosso do castelo. enfim retorno à minha paragem, ao meu lar.

mas que visão agradável. fernando ninam vem me receber na entrada de seu castelo. e ali nos postamos a conversar sobre o ar da tarde que já se anunciava. neste momento passou na estrada a doce marlucia. sorrimos e abanamos as mãos com alegria. ela retribuiu tímida passando ao largo. deus meu sussurrou fernando! ela hoje está como são paulo; com as quatro estações num só dia. ontem de noite tão alegre, a gora de manhã triste. ah! marlucia vivaldi, porque você parou de tomar seus medicamentos? e nos despedimos condoídos porque a bela marlucia que traz o mar nos olhos passa os dias sofrendo das variadas formas de sua entremêz . agora é inverno. profunda depressão. mas dentro em pouco poderá passar por nós em tom verão.

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