sexta-feira, dezembro 19, 2003

lilian está em paris, cité falguière, onde foi comemorar as festas de passagem de ano. no entanto, continua nos lembrando sobre a importância de ler artigos de alguns analistas políticos, como os dois replicados abaixo e que foram publicados no jb de hoje. um da dora kramer, outro do villas boas. eles nos contam sobre as danças do poder, e suas múltiplas máscaras.

aí vocês podem perguntar, porque replicar artigos que estão publicados em jornal? é simples a resposta: quantos de nós compramos jornais? nos debruçamos na leitura de artigos, às vezes longos? principalmente na noite de um sábado? e quantos de nós leremos na rede estes artigos onde a trama da análise obriga que sejam extensos?

sabemos que a linguagem da rede é telegráfica. ainda agora estava lendo umberto eco que falava sobre a imortalidade do papel impresso. talvez até, digo eu, porque o cérebro precisse ser estimulado pelo tato para registrar e processar as informações que está recebendo. já me acostumei com a leitura na telinha.

mas não abro mão do prazer de segurar um livro, acarinhá-lo, sentir a pressão dele em minha mão. mas com cuidados de quem sabe que o tempo amadurece no virar de cada página para onde, sem perceber até, fomos transportados.

a rede é ágil. as informações são pasadas em micro segundos. e o tempo para a leitura fica restrito pela próxima atração que desviará nossos olhos. mas vivemos um momento histórico que precisa ser acompanhado de perto. por mais oficial que seja a versão da mídia ccontamos ainda com os velhos jornalistas, como o villas boas, que não perderam o rumo de sua coerência.

lilian está lá. longe. na europa. lendo o brasil. e a distância melhora a perspectiva da cena que está sendo projetada para nós imersos em sentimentos de dúvidas e enganos.


Onze meses e uma realidade


Dora Kramer, no Jb de hoje

enviado por lilian


Do pronunciamento na posse à exposição do balanço de resultados 11 meses
depois, o presidente Luiz Inácio da Silva mudou muito.
E não foi aquela ''mudança'' de que falava no discurso inaugural, cheio de
referências grandiloqüentes à vitória da esperança sobre o medo, ao
''esgotamento do modelo'', às ameaças ''à soberania nacional'' e à união dos
entusiasmos disponíveis como solução para tirar o Brasil do ''impasse''.

A transformação assemelha-se à mudança referida no discurso de ontem, mais
realista, com ''sentido de humildade'', marcada pelo relato das dificuldades
e cheia de cautela nas alusões às melhorias para o futuro. Um balanço
positivo, mas contido.

Nada de conceitos vagos e gastos, como pacto social - destaque, na posse,
como carro-chefe de um governo ''sem personalismo''-, vontade política ou
esse tipo de idéia de elaboração simplificada.

''Vamos acabar com a fome em nosso país'' fez grande sucesso da eleição até
a cerimônia de posse, onde chegou a ganhar uma comparação com a campanha
pela criação da Petrobrás em meados do século passado.

Ontem, o Fome Zero já estava relacionado a comportadíssimos números e
distante das adjetivações que davam ao discurso inaugural um certo caráter
de reinvenção do Brasil.

A reforma agrária, no dia 1º de janeiro, seria feita ''nos milhões de
hectares hoje disponíveis'' para famílias e sementes, ''que brotarão viçosas
com linhas de crédito, assistência técnica e científica''.

Mas, ontem, manteve-se restrita ao anteriormente anunciado plano de doação
de terras para 530 mil famílias em quatro anos e recuperação dos
assentamentos já existentes.

Tudo muito mais sóbrio que há 11 meses, quando o presidente recém-chegado
falava em ''obsessão'' pela criação de empregos e prometia pôr o governo ''a
serviço'' de uma política ''vigorosa'' de segurança pública.

Agora, diante da constatação da pesquisa Ibope, de que esses dois temas são
exatamente os que maior insatisfação popular despertam em relação ao
desempenho do governo, soou bem adequada a explanação presidencial, plena de
relatos sobre sacrifícios e obstáculos.

Houve apenas um toque de disfarce na realidade quando, para explicar a
situação do país no início do ano, Lula falou na ''crise profunda'' em que
estava o Brasil, sem dizer que a situação econômica se deteriorou a partir
da certeza da vitória do PT.

O presidente não faltou à verdade ao ressaltar os esforços e a eficiência de
seu governo para recuperar a confiança externa no Brasil.

Mas, ao dar a impressão de que o governo anterior construiu, por ineficácia,
a crise, cometeu impropriedade histórica e desviou-se do compromisso firmado
no discurso de posse por um ''novo estilo de governo'', de diálogo franco
com a sociedade.

A comparação entre os dois discursos mostra que apenas a política externa
mereceu espaço e referências semelhantes em ambos, o único item a exibir
proximidade entre projeto e execução.

A economia esteve praticamente ausente do pronunciamento inicial. Dela,
falou-se em janeiro apenas como um ''modelo esgotado'', o retrato do
fracasso da cultura do individualismo, responsável pelo ''impasse econômico,
social e moral do país'' que, em vez de gerar crescimento, ''produziu
estagnação, desemprego e fome''.

Ontem, no pronunciamento de prestação de contas, o presidente atribuiu à
adoção das mesmas normas a razão da recuperação da saúde e da confiabilidade
econômicas do Brasil.

Com a diferença de que, agora, toma para si a autoria do modelo, pelo visto,
revigorado.

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Exame escrito para ministros


Villas Boas Correa no jb de hoje

enviado por lilian


O clima festivo de fim de ano, com a renovação de esperanças e o
sepultamento das frustrações na cova rasa do esquecimento, ajudou o governo
a afinar o tom moderado nas comemorações oficiais. A reunião ministerial
para a prestação de conta dos êxitos e desacertos da temporada encolheu para
a medida certa do discurso clássico do presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
com as inevitáveis cutucadas no seu antecessor - que é uma das suas
fixações - e a exibição do vídeo com as realizações do governo, montado com
esforço e imaginação pela turma de marqueteiros. À noite, o agrado ao PT com
o banquete na Granja do Torto, como ungüento para alívio do trauma das
expulsões dos quatro parlamentares, que ainda darão pano para as mangas
curtas do partido.

Pelo visto, o governo percebeu que só os índices de aprovação do presidente
não sustentam a louvação do ano inaugural, com as suas contradições,
incoerências e o pífio balanço administrativo, muito abaixo do prometido e
esperado. O truque de esquecer o que não foi feito e badalar os sucessos
modestos ajuda a engambelar os desatentos, embalados pela véspera de férias,
de praias no verão que se anuncia escaldante e com o espírito na cadência
natalina das compras dos presentes e das castanhas com os preços pela hora
da morte.

O lado sério do governo estava ficando triste. O bom humor do presidente, um
dos traços do seu temperamento, andou misturando os momentos de descontração
com as dissonâncias do tom irritado diante das críticas e das cobranças da
oposição. Com a aprovação da reforma tributária e com a da Previdência
dependendo de mais uma rodada de votação na Câmara - e que pode render mais
uma convocação extraordinária, em janeiro, com o pagamento de mais dois
salários aos 81 senadores e 513 deputados, tão necessitados de um reforço
aos R$ 80 mil mensais que embolsam em dinheiro vivo e repasses da mágica do
salário indireto -, Lula acrescentou algumas linhas de otimismo aos
discursos lidos e aos improvisos nas muitas oportunidades de subir à tribuna
e soltar o verbo.

Mas se parte do governo curtiu a sua depressão, resmungando queixas e
cutucando adversários, ele também tem sua banda muito engraçada. Insista-se
no reconhecimento ao humor presidencial, que, às vezes, passa da conta. Nem
só ao presidente devem ser creditadas as situações jocosas que se sucedem na
casmurra rotina oficial. Os achados pitorescos brotam por acaso, nos
escorregões do imprevisto.

Agora, por exemplo, a série de novidades anunciadas, revistas, modificadas,
canceladas na solene agenda da prestação de contas do Ministério, tece o
enredo de qüiproquós de uma comédia que qualquer dos nossos humoristas de
primeiro time assinaria com gosto.

Começa com a estapafúrdia idéia de reunir 35 ministros do maior Ministério
de todos os tempos para que, um a um, desfiassem o rosário das realizações
em seu setor, com a análise crítica dos resultados e o anúncio dos planos
para o próximo ano. Juntem-se à receita biruta as longas intervenções do
presidente e da turma do núcleo palaciano. Com as interrupções para almoço,
esticar as pernas e aliviar a bexiga, entraria pela noite até a madrugada.

Não é só. Os ministros, há meses, sentam-se nas almofadas com cuidado para
evitar os pregos do aviso oficial, depois adiado, de uma reforma com o duplo
objetivo de abrir espaço para os novos e festejados aliados do PMDB do
modelito do governo centro-liberal e de despejar alguns dos inquilinos
petistas recolhidos do sereno das derrotas eleitorais.

A versão de que os ministros seriam submetidos a uma avaliação pelo
presidente, difundida pelas inconfidências de costume, abanou a ansiedade
dos inseguros que balançam na corda bamba. E foram dias afanosos para
ministros, secretários, assessores. Com apelos à imaginação e a ajuda de
bons redatores, 35 calhamaços, enfeitados de gráficos, mapas, projetos,
cálculos, foram encaminhados ao Palácio do Planalto e, segundo depõe o
ministro Luís Dulci, secretário geral da Presidência, lá estão guardados, em
cofre, com o sigilo protegido.

O que mudou foi a serventia do papelório. Ou a forma como será utilizado.
Como o governo caiu em si, no pior dos tombos, e escancarou os olhos para
enxergar a evidência da inviabilidade da sabatina ministerial no
constrangimento de reunião infindável, depois de matutar resolveu
transformar a prestação coletiva num originalíssimo exame escrito dos
ministros, ao jeito provão.

E como entramos na rota da simulação, não há limite para a piada. Os
relatórios dos 35 ministros serão lidos, analisados e julgados pelo
presidente Lula. Pessoalmente. Com a provável ajuda de assessores. Não se
sabe se cada prova receberá nota. O que ficou claro é que os ministros que
passarem de ano, permanecerão nas suas almofadas fofas e repousantes. Os
reprovados tanto poderão ser rebaixados para vagas no segundo escalão como
sumariamente despedidos.

A fórmula tem chiste. Uma pequena obra-prima de humor involuntário. A
pilheria rola solta do impagável vestibular ministerial ao primor do truque
de transformar os relatórios em testes de competência, para aprovar e
reprovar ministros.

Com o detalhe hilariante do presidente Lula submetido ao castigo de ler 35
cartapácios para ao final, como é provável, não demitir ninguém e, em vez de
reduzir o número de ministros, criar mais duas ou três mordomias para o
PMDB.

villasbc@unisys.com.br


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