segunda-feira, janeiro 26, 2004

cadê a tábua das marés?


tem mudança de ventos!





saudade

nublados, varanda e dia.
mesmo a algaroba, que algaroba
periga já não ser, se acinzenta.
os pássaros desafinam.
e a mim, talvez se me embranqueçam
mais depressa os cabelos,
um milímetro a menos se me alargue
o riso
e eu escreva um poema inútil e tolo,
nesse sábado nublado de janeiro,
antes que comece a chover.


márcia maia



sabor de trem. perfume da maçã. gosto de metal na boca. cheiro à azinhavre nas mãos. algum azul profanando a fenda aguda da memória. sim, tento reescrever ou inscrever nossa história fundando vozes. contando histórias alheias. e procurando fazer delas a nossa realidade. é como beber do sangue do outro. e como vampira, acrescentada por vírgulas, sinais gráficos cravados como alfinetes no tato, num vagão de passageiros visitar paisagens que rabiscam emoções.

em cada entrevista, ao procurar refazer a trajetória dos idos e vividos, recupero a minha perspectiva.um traço. a silhueta; e de repente percebo a agonia de não conseguir reescrever grandes sertões e veredas. minha casa plantada num caminho vicinal deixa escapar a grandeza da paisagem.

hoje exercito contar uma poeta médica pediatra. convidei para participar da entrevista , para tornar mais rica a viagem, a moça do drops, a fal. chegou o sóter, do batatada, com quem caminho sempre, tanto, que ás vezes quando não está, procuro por minha sombra para não ficar só.
torcemos para que apreciem a o corte da lâmina. elb.



marcia maia, poeta de


e

tábua de marés e mudança de ventos a entrevista da semana.

de meu pai herdei a cor da pele
e um leve inclinar da cabeça
para a direita
nas fotografias.
um jeito intenso de viver
amar e dar presentes.
uma afabilidade cúmplice
no trato com as pessoas
além da profissão
exercida como sacerdócio.
o gostar de almôndegas
cozido e guisado
a mania de cortar toda a carne
no prato
antes de comê-la
e o incômodo de acordar
às quatro e meia
quando poderia dormir
até às dez.


márcia maia


sóter diz:a quanto tempo vc escreve poemas?
márcia diz: desde muito tempo, de adolescente. mas parei uns 20 anos por conta de faculdade, casamento, filhos. voltei há uns 14. e, pra valer, depois que entrei na net: 2000 pra cá.
esther maria diz: seu pai era professor da federal?
márcia diz: era. de neurologia. foi o primeiro neurologista daqui. mas morreu cedo, aos 37 em 1962. era médico. tenho dois filhos que tb são médicos. e um “informático”, quase.
esther maria diz:marcia a perspectiva de vida aí no nordeste é a mesma que no resto do país?
márcia diz: não. é pior. tudo muito difícil, salários mais baixos, desemprego. e já muita violência. o bom é o mar, a cultura e o clima
sóter diz:uau! 12 de janeiro - seu poema - é de mais tb!!!
márcia diz:esse dia 12 de janeiro é o nó da minha vida..rs
sóter diz:parece um dia de bruxaria .um dia de encantos e pragas... lindo poema
márcia diz: porque acontece tudo: os bons e os maus: papai morreu, passei no vestibular, aniversário de um grande amigo/amor, comecei a namorar com meu ex, minha filha passou no vestibular, meu sobrinho nasceu e vai por aí...


segunda-feira, janeiro 12, 2004
privação


a dor entornava-se sobre portas e janelas, móveis e tapetes, copos, panelas e xícaras. queimava lâmpadas. subia pelos pés e pernas, dorso e pescoço, até a raiz dos cabelos. saltava e recomeçava. o desespero rondava cada esquina. e os comprimidos luziam encerrados no frasco vermelho de cristal. inacessíveis.


doze de janeiro

ponto onde consigo se encontra
a linha e se torna círculo.
misto de vida morte amor
desamor batismo e extrema-unção
- ódio, não! -
indiferença e paixão
algum vazio
asa corrente cela grade
mar aberto revoada céu azul
trovoada tempestade solidão
:
mistérios desse dia gravados
a meio caminho entre a alma
os olhos
e as palmas das minhas mãos


esther maria diz:
aí deve estar um céu tinindo de azul
márcia diz:
aqui tá chovendo o tempo todo há uma semana. e aqui não chove no verão. um saco!
márcia diz:
tudo cinzento e molhado
esther maria diz:
mas aí é sempre verão. né mesmo?
márcia diz:
mais ou menos. não faz frio. frio pra gente é 20°. chove de fins de abril a julho. recife é sempre úmido, mas tb é quase dentro do mar!
esther maria diz:
sua mãe está melhor?
márcia diz:
está. mas não tem muito jeito. teve outra infecção urinária, tá tomando antibiótico. o pior é que ela ainda tem consciência de que está doente, que não lembra as coisas e sofre demais com isso. é uma demência tipo alzheimer mas não completo alzheimer. minha avó teve semelhante mas mais velha. mamãe tem 75. teve depressão e tomou remédio quase a vida toda nos últimos 35 anos. acho que isso precipitou o quadro atual.
ela ficou viúva aos 33 com 6 filhos. eu sou a mais velha, tinha 10. o caçula fez 3 no dia do enterro
esther maria diz:
é uma barra. e como ela levou a criação de vocês? (márcia sabe que minha mãe tem alzhaimer, terminal)
márcia diz:
fez de tudo: vendeu avon, cozinhou pra fora, é ótima cozinhaira, datilografou pra fora e trabalhou anos na butique da minha tia. qdo eu já estava casada, descobriu que podia pedir revisão da pensão porque se enquadrava na lei de pensão especial: ganhar o salário do marido se vivo. mas aí, todos estavam criados
márcia diz:
papai era médico e prof da universidade
esther maria diz:
marcia entrou outro amigo, o sóter. posso adicionar?
márcia diz:
pode
esther maria diz:
tá aqui sóter
márcia diz:
olá. peraí, o telefone
sóter diz:
oi lindas gurias!!!
esther maria diz:
fala com a marcia , menino
márcia diz:
hahahah
márcia diz:
deixa ele, esther
sóter diz:
queria pegar uma cena bacana de romeu e julieta, mas num dá... vou cair no cliche mermu... a cena do balcão é linda demais... e me vem tanta imagem na cabeça
márcia diz:
a da cotovia é a mais bonita
sóter diz:
oi marcia, eu falei contigo na h do telefone seu ai.... perdão
márcia diz:
nada, já voltei. o meu tá precisando levar pra consertar tb
sóter diz:
num é mesmo, márcia? ... os suspiros na noite do balcão logo depois da festa me deixam com lágrimas nos olhos... é de mais!!!
márcia diz:
é sim. por mais clichê que seja, é lindo
sóter diz:
telefones!!! melhor não te-los... mas se não te-los como sabe-los?
márcia diz:
hahah já pensaram pediatra sem telefone?
sóter diz:
vc é pediatra!!!!
márcia diz:
sou sim
esther maria diz:
e poeta
fal foi adicionada à conversa.eu a convidei para participar da entrevista. grande texto, o desta menina do drops que vive louvando os textos alheios.
fal diz:
oi bonecos!
márcia diz:
oi, fal
sóter diz:
e aí dona do drops!!!
fal diz:
oi queridim!
fal diz:
sóter?
fal diz:
qualé teu blogue, fio?
sóter diz:
oi
márcia diz:
tb quero saber
sóter diz:
www.piredbabata.blogger.com.br
fal diz:
hum, márcia, a esther me deu seus blog preu me preparar presse momento de glória. mulé, vc escreve pra caráleio
fal diz:
tou passada
sóter diz:
tenho q adicionar as duas lá
fal diz:
aaaaaaaaaaaaaaaaaaahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh
fal diz:
vc é o batatada
márcia diz:
jura, fal? que bom! esse momento foi o acaso
fal diz:
?
sóter diz:
oui!!!
sóter diz:
cést moi
fal diz:
homem de deus, eu amo vc
sóter diz:
ahahahahahahaha
márcia diz:
bem que eu achava que era..o batatada
fal diz:
tenho vc lá no meu brógue, corazón
sóter diz:
cês vão lá naquele muquifo?
fal diz:
eu vou!
fal diz:
adoro
márcia diz:
eu vou.
fal diz:
amei tb o flog
márcia diz:
o flog é o máximo
sóter diz:
to precisando de atrizes, fotos. se quiserem participar é só mandar fotinhas
fal diz:
ai, qui bão, qt gente boa, tou mais feliz que pinto no lixo. posso fazer pergunta tia esther??
esther maria diz:
antes da fal desmair de fome vamos entrar na entrevista?
fal diz:
é, boa
márcia diz:
vamos
sóter diz:
onde?
márcia diz:
na entrevista
esther maria diz:
aqui menino! segue a linha
fal diz:
márcia, me fizeram essa pergunta e eu fiquei me achando, então vou fazer pra vc: como é seu processo criativo?
márcia diz:
não sei ao certo, fal. varia. em geral, tento escrever pelo escrever. às vezes sai tudo de uma vez, uma coisa que me vem à cabeça quase pronto. na maioria das vezes, fico brincando com as palavras até sair algo que quero, que me agrade
fal diz:
vc faz anotações?
márcia diz:
nada muito especial.
fal diz:
sabe, ao longo do dia vc vai escrevendo notinhas pra si mesma?
fal diz:
tem alguma leitura que te inspire?
márcia diz:
escrevo direto no micro. uma coisa engraçada é que não consigo mais escrever à mão.
márcia diz:
se não fica como quero, guardo pra depois.
fal diz:
uia, diferente de mim.
fal diz:
vc trabalha com outra cousa além da literatura?
márcia diz:
não. escrevo notinhas não. sou geminiana. não anoto quase nada
fal diz:
(noutras palavras vc ganha grana? hahahahaha)
márcia diz:
peraí, fal. mas quase sempre só largo qdo fica como quero.
fal diz:
ou que nem eu: pobre
fal diz:
tá, vc trabalha e burila atééééééé
márcia diz:
sou médica, pediatra, trabalho pra cacete e ganho médio a pouco. médico aqui, ganha um terço do que no sul
sóter diz:
qualé fal!!! vc escreveu um livro da hora agora... nem vem, ta rica tb!!!
fal diz:
áh, é, eu sabia, esqueci, ela ganha grana sim
fal diz:
quéquéqué, sóter, vc tá bebendo o que, fiote???
márcia diz:
sou pobre: não tenho casa, carro. só filhos. poesia e um monte de teimosia
márcia diz:
médica
fal diz:
qts filhos?
márcia diz:
hahahahha rica, sóter? paguei. e só fiz 150 de cada..haha
márcia diz:
peraí. aqui, por 12 horas de plantão noturno, ganho 120.
fal diz:
lá em santa catarina tb., uma amiga minha, uma das melhores médicas em atividade...
márcia diz:
mas sou do inamps, ex, tb
fal diz:
ganha 18 reais por consulta
fal diz:
coisa de louco
márcia diz:
trabalho umas 75-80 horas por semana
fal diz:
cacete!!!!! isso é um absurdo. qts filhos, má, e quais as idades?
márcia diz:
ah, filhos. tenho 3: felipe, 28, médico, esperando um filho( silvia, minha nora) pra agosto. vou ser vovó!!! maria, 25 médica tb. e tiago, 24, terminando ciência da computação
márcia diz:
lindos.!!!
fal diz:
uia!!!!!
fal diz:
fios criadus.
márcia diz:
juro. depois mando a foto. vc vai babar com meus gatos..hahah
fal diz:
hohohohoho
esther maria diz:
mas conta a dificuldade para chegar a isto márcia
fal diz:
é, conta
márcia diz:
isso. por isso fiz os livros. qdo maria se formou, passei dois dias atordoada antes de me dar conta de que finalmente, chegara a minha vez. podia cuidar de mim. sou filha mais velha, casei cedo. pensar mesmo em mim, agora é que posso!
márcia diz:
o que, dos fios criados?
fal diz:
tudo
fal diz:
dois filhos criados, a esse texto do caralho que vc tem
márcia diz:
me separei qdo eles eram pequenos, 11, 8 e 7 anos.
fal diz:
a essas sacações sensíveis, essa capacidade de falar tanto em 3 linhas
márcia diz:
casei com 23, não era novinha pra época, 74. com um cara demais e negro. foi um escândalo
fal diz:
cara, deve ter sido
márcia diz:
acho que apesar de ter dado errado, foi uma coisa importante na minha vida. sabe, viver o grande amor? ter certeza disso? a gente viveu isso, davi e eu. e vivemos depois todo o avesso: o inferno que é ver degringolar até à morte o grande, amor.
fal diz:
êê mulerada que carrega tudo nas costas
fal diz:
ai que frase linda, vou roubar
márcia diz:
mas, ter vivido e ter saído, me dá uma certa tranqüilidade que me permite viver só e bem, muito bem, hoje em dia
márcia diz:
e a gente se dá bem, ele é casado com uma pessoa muito legal, meio parecida comigo..haha
esther maria diz:
o importante é mergulhar tanto no prazer como na dor, né? ficamos prontos para nós mesmos
sóter diz:
nossa, e eu lendo romeu e julieta... q coisa...
márcia diz:
sabe o que hoje, às vezes, me incomoda? olhar pra ele e não sentir absolutamente nada. fico me perguntando como pode o tudo, o infinito, virar o mais absoluto nada. de nada.
sóter diz:
segundo platão, só os amores não vividos é q duram pra sempre
márcia diz:
isso mesmo. a certeza de ter vivido dá uma segurança de que se pode seguir vivendo bem mesmo só. sobretudo só. eu adoro viajar só. fui pra europa só. encontrei minha irmã em paris. ela e o marido foram pra grécia de avião, eu fui só. de trem e barco. pela itália. amei. sobretudo a volta qdo o medo já tinha passado
esther maria diz:
você andou por onde, na europa?
márcia diz:
fui pra paris. minha irmã estava em nanterre fazendo doutorado. só com dois filhos. a gente tem uma ligação afetiva com a frança porque meus pais passaram o melhor ano da curta vida deles a dois, em paris.
fal diz:
hum, lindo lugar pra ser feliz
márcia diz:
de lá, fui a florença e roma. a brindisi, peguei o barco até patras , na grécia. daí a atenas, de trem. fiquei, com eles, dois dias em atenas, dez em creta, um e meio em santorini porque o mar nos atrapalhou.
márcia diz:
daí, voltei sozinha a roma. estava azul e lindo. fiquei uma semana até a grana acabar. voltei por florença e fui pra paris. comprei a passagem do metrô no cartão de crédito porque não tinha mais um tostão.
márcia diz:
mas, minha paixão é roma. já voltei lá. e fui tb a chartres, pompéia, sorrrento, capri, essas coisas
sóter diz:
lugar mais lindo q entrei na minha vida foi a casa de rodin
fal diz:
meu deus, como é bão
márcia diz:
na casa ou no museu? o museu rodin em paris é a coisa mais linda. passei um dia inteiro lá. choreeei... aliás, nessa primeira viagem, me emocionava à toa ao ver , ao vivo, tudo o que vira de foto e ouvira de história, desde menina
sóter diz:
a casa é o museu
márcia diz:
mas, a maior emoção, foi em atenas. na acrópole. qdo me vi diante do partenon, chorava sem sentir.
márcia diz:
era meu sonho desde que li monteiro lobato aos 8 anos
márcia diz:
a casa dele era fora de paris, sóter. o museu é no coração de paris.(sobre rodin)
márcia diz:
mas estou falando do paternon de atenas. lindo. às cinco da tarde, maior céu azul...
esther maria diz:
conta do seu trabalho. do dia a dia desta cidade e da ta história pessoal que é a história da cidade...
márcia diz:
o trabalho. de dia, trabalho num posto de saúde da prefeitura. com o sus mesmo sendo funcionária federal vc trabalha no município. aquela velha coisa de sempre: gente carente de tudo. de atenção e carinho, muito. e de grana. mas já foi muito pior.
fal diz:
amores, eu vou tb, mergulhar no texto, senão não saio daqui e não janto. márcia, quase morro com seu blog hoje, fiquei toda arrepiada. beijos. (despedidas)
márcia diz:
segunda e quinta à noite, das 19 às 7, trabalho num hospital privado de porte médio e de luxo médio. com uma boa consciência e pouca exploração
márcia diz:
domingo à noite, numa clínica privada mais elitista mas bem responsável.
márcia diz:
de manhã. faço evolução qdo tenho pacientes internados
esther maria diz:
tempo para escrever e ler?
márcia diz:
tenho. concentro o grosso nas tardes. escrevo de manhã e á noite. e leio, leio, desde sempre. tb durmo pouco. 4 ou 5 horas tá bom demais
esther maria diz:
é o amor márcia. ainda existe algum ou a fonte secou?
márcia diz:
a fonte não secará nunca. sempre achei que viver o amor é o que vale a pena. se acaba e se sofre, vale ter vivido. no momento, não sei... talvez ainda um amor sem amarras, mais livre, mas muito bom.
esther maria diz:
fala sobre a influência do cantar medieval, dos trovadores em sua vida. creio que em olinda pulsa um clima que além de levar ao amor conduz a uma linha melódica na poesia ...
márcia diz:
olinda pulsou, tempos atrás. hoje, olinda está muito decadente. morreu. ainda hpa galerias mas aquela aura dos anos 70-80 acabou-se.recife se reassumiu culturalmente e as coisas acontecem mais aqui.
há uma retomada de raízes, uma redescoberta de valores e da cultura pernambucana. os jovens daqui se orgulham demais dessa cultura redescoberta.
esther maria diz:
de que trata esta cultura?
márcia diz:
das coisas daqui. na música, do maracatu, do frevo. da retomada do homem gabiru de josué de castro, atualizado para caranguejo por chico sciense e seu movimento mangue
márcia diz:
pelas coisas mais inesperadas como a bandeira e o hino. pode? pois se vc chegar aqui no carnaval vai ver muita gente vestida com camisas que reproduzem ou estilizam a bandeira. uma espécie de revalorização do ser pernambucano
márcia diz:
e na poesia, o retomar carlos pena filho, joaquim cardoso, poetas imensos e menos lembrados que joão cabral , manuel bandeira e cia.
esther maria diz:
aquele presídio que foi transfomado em casa de arte e que chama joaquim cardoso, se não me engano, ainda funciona?
márcia diz:
não se chama casa da cultura, era a antiga detenção cheia de história, assim com agá maiúsculo. funciona. foi restaurada ano passado.
esther maria diz:
o armorial aí , que é a tradição da idade média é muito forte. né? há uma toada. um rítmo próprio. isto te influencia. pelo que vejo .. mas você , me parece faz um corte brusco de transferência do passado- a influência- para o presente, o fragmentado
márcia diz:
eu não sinto a influência, mas pode ser. vivi sempre aqui. ( o armorial é menos forte agora mas era nos 70m qdo me fiz gente).
márcia diz:
corte brusco, como? não entendi
esther maria diz:
você vem numa cadência , num rítmo, aí, você faz um corte . verticaliza mesmo o fluxo da linguagem. e encerra. acho isto ótimo. é um soco na boca do estômago que me deixa às vezes sem ar.
esther maria diz:
você não permite que a linguagem te domine, você a pega pelas rédeas e a domestica
márcia diz:
é. eu sou sintética por natureza. e acho que se vc pode dizer uma coisa com o mínimo de palavras, não há porque florear, nem fazer rodeios
esther maria diz:
quais suas influências?
márcia diz:
eita! e eu sei? sempre li muito e nunca fiz um curso sequer de literatura ou assemelhados. juro que não sei.
márcia diz:
o azul , com certeza, foi despertado por carlos pena filho. era amigo de meus pais na minha infância. tenho um poema sobre recife, que dediquei a ele, que marcou minha volta à poesia.

todo o azul



a carlos pena filho

de tanto azul é feita
esta cidade
céu azul
mar azul
e um rio
a ousar azuis proibidos
em manguezais profanados.

homens de negros cabelos
azuis
e mulheres de peitos despudoradamente
azuis
tecem nos bares da cidade
a trama dos sonhos
reinventada a cada
madrugada
igualmente azul
enquanto mendigos e cães
se confundem
no azul melancólico das
calçadas.

ah, carlos
recife continua azul
embora velho, doente
distante e saudoso do teu tempo
mas sempre
irremediavelmente
azul!



dr. josé alberto maia com a filha márcia maia ao colo

márcia diz:
foi assim. meu pai resolveu que ia fazer só neurologia, numa época em que se fazia neuropsiquiatria. era um cara especial, pra lá de inteligente, vindo de uma família pobre do interior de alagoas. meu avó vendia pão nas usinas. a pé.
daí que ele ganhou uma bolsa em paris. no la salpetrière, com o prof. raymond garcin, o papa da neurologia na época. era 1953. ele foi em dezembro, assim que minha irmã nasceu. e mamãe, em janeiro, porque ele disse que não agüentava ficar sem ela. ficaram lá um ano. e ficamos aqui, eu, com um ano e meio e lícia, minha irmã, com um mês.
márcia diz:
o garcin, o tal professor, adotou meu pai meio como filho. qdo veio, duas vezes ao brasil, dispensava os doutores para ficar conosco, as crianças, meio netas adotivas dele.
márcia diz:
pai josé alberto maia, e a mãe lígia de souza leão maia
esther maria diz:
tem de ser muito bom para ir para o la salpetriére,
márcia diz:
e mais ainda naquela época
márcia diz:
vindo do nordeste
esther maria diz:
exatamente nem equipamento para trabalho havia...
márcia diz:
isso mesmo. papai era respeitado no brasil todo. paulo niemeyer, deolindo couto o veneravam. e ele, gaiatamente, dizia pra gente que era o maior neurologista do universo e arredores. e nós riamos todos juntos
esther maria diz:
aí, de paris...
márcia diz:
ficarm dez meses. foram a portugal, espanha, suíça. encontraram gente e foram amigos de joão cabral, beatriz segal e outros mais anônimos.no último mês antes da volta, passarm na itália. viram tudo.
entre a volta ao brasil em 53 e amorte de papai, em 62, foram 4 filhos, um acidente em que quase mamãe morreu ( queimadura com um fogareiro de gás), muita ciência, muita medicina humana e calorosa, muita praia, pescaria e muita história.
márcia diz:
mais quatro filhos: somos seis.
esther maria diz:
e você também da universidade federal de pernambuco?
márcia diz:
não. minha irmã é pro-reitora, mas eu segui outros caminhos. preferi trabalhar com comunidades, treinar agentes de saúde, nada de carreira universitária
márcia diz:
estudei lá
esther maria diz:
o seu percurso é mais poético . menos prático ( na visão do mundo capitalista). é um discurso barroco, profissionalmente falando, para o corte do forma quase hai-cai, quase concreto do poema.
márcia diz:
é sim. mas a vida foi barra. qdo papai morreu de um acidente no dia em que íamos sair de férias, a vida mudou, fiz admissão aos 11 e aos 12, comecei a dar aula particular até o fim da faculdade. dei aula na maternidade, qdo felipe nasceu, pode?
márcia diz:
ai, esther, desculpe os erros..rs
esther maria diz:
deixa pra lá eu reviso. aqui no msn é assim mesmo... (antes ela tinha me recomendado ser simples. porque eu estava cheia de dedos, desculpando-me pela digitação errada, falando com ela pela primeira vez)
esther maria diz:
nós estamos falando em letras .
márcia diz:
certo
esther maria diz:
radiofonizando alfabeto
márcia diz:
isso é poético
esther maria diz:
e parece que eu te ouço
márcia diz:
eu sempre escrevo como falo..rs
esther maria diz:
você acompanha o movimento do mangue beat e quall seu estilo de música preferido?
márcia diz:
acompanho por causa dos filhotes. o mangue e o que veio depois. mestre ambrósio, cordel do fogo encantado..
esther maria diz:
fala do cordel? não conheço
márcia diz:
meu estilo? mpb boa, jazz!!! e clássico. aliás, não sendo brega e pagode nem aquela coisa baiana que esqueci o nome, curto quase tudo. reggae e rock, inclusive
márcia diz:
o cordel é um grupo de arcoverde, interior do estado. começaram como grupo de teatro e cantam composições deles mesmo. é belíssimo! gente daqui, música daqui. tem uma faixa em que lirinha declama um poema de zé da luz que é um arraso: “ai se sesse...”

ai se sesse*
(zé da luz)

se um dia nós se gosta-se
se um dia nós se quere-se
se nós dois se emparea-se
se jutim nós dois vive-se
se jutim nós dois mora-se
se jutim nós dois drumi-se
se jutim nós dois morre-se
se pro céu nós assubi-se
mas porém se acontece-se de são pedro não abri-se
a porta do céu e fosse te dizer qualquer tolice
e se eu me arrimina-se
e tu com eu insinti-se
prá que eu me arresouve-se
e a minha faca puxa-se
e o bucho do céu fura-se
távez que nós dois fica-se
távez que nós dois cai-se
e o céu furado arria-se
e as virgem todas fugir-se


márcia diz:
e o da chuva que faz chover, de verdade, toda vez que cantam
márcia diz:
http://www.cordeldofogoencantado.com.br/ vale a pena ouvir. hoje já correram mundo
esther maria diz:
o servio dizia na entrevista dele que a rede é telepática . ela faz com que as pessoas que se entendem se aproximem, muito mais facilmente do que na vida real. eu acho que ele está coberto de razão. a gente forma grupos e amizades que parece compartiram conosco a vida por inteiro
márcia diz:
com certeza. a rede é assim, meio mágica
esther maria diz:
muito. a gente não se engana.quando se encontra, não inventou. pressentiu.
márcia diz:
isso mesmo. tenho grandes amigos feitos aqui
márcia diz:
olha, preciso parar. venho de duas noites de plantão..rsrsr. beijo grande e obrigada.


dra.poeta márcia maia



adversidade



antes firme, duro. ora, mole. vaga semelhança com gelatina. pouco mais denso. talvez. não vale exagerar. e fino. tão fino. tanto que se percebia. sentia. o pau às costas. taliscas. lastro de madeira dura. doendo. ah, tanto! sob o colchão gasto. mole e fino. da cama em que dormia. quando de plantão. no hospital.

márcia maia


beijo-beijo

valia tudo pra ganhar aquele prêmio até passar horas no meio da praça maior calor beijando o namorado da vizinha tão feio que eu sempre tinha tido tanta pena da coitada e não conseguia entender como ela tão bonita perdia tempo com aquele cara com jeito de abobalhado e a cara cheia de espinha e que só podia ter mau hálito nem eu nem ninguém entendia até agora no meio da praça quase esquecida do prêmio carro e viagem pra austrália e mais esquecida ainda da coitada da vizinha em casa com catapora mal começou e eu já tremia ficava toda molhada e de súbito entedia e invejava a coitada da vizinha tão bonita namorar aquele traste e como beijava o dito tão bem que eu nem me lembrava do jeito de abobalhado da cara cheia de espinha sei lá se tinha mau hálito agora só quero é ficar aqui por toda a eternidade boca a boca quietinha maior calor nessa praça no meio de toda essa gente e quando ganhar o concurso dou o carro pra vizinha e levo o cara de espinha junto comigo pra austrália e se ele não quiser ir não tem problema armo o maior barraco ameaço me matar choro grito dou pra ele e em último caso apelo e podem crer o seqüestro e deixo o meu namorado que é lindo de presente pra vizinha.


márcia maia




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