sexta-feira, agosto 20, 2004

Está saindo um novo livro importante para a história do Rádio. A organização é do nosso Diretor Científico, Aníbal Bragança, e a apresentação da nossa Presidente, Sônia Virgínia Moreira(intercom,mídia sonora). O livro estará sendo lançado no Congresso da Intercom. Vale a pena conferir:



Antenas para o éter




Muito mais que uma coletânea de crônicas, este livro representa uma viagem no tempo e no espaço. Um tempo em que trabalhar no rádio era fazer parte do broadcasting, com speakers e integrantes de seleto cast circulando pelos studios das PRs (referência ao prefixo das rádios pioneiras, formado por três letras e um número). A terminologia ainda era estrangeira, mas a produção era tipicamente nacional, com os personagens convivendo no espaço de duas cidades: Rio de Janeiro, capital da República, e Niterói, capital do Estado do Rio, em ambientes urbanos como cafés, confeitarias e cassinos, onde a cultura, a música, a informação e a política inevitavelmente misturavam-se num caldeirão de conteúdos surpreendentes e desfechos imprevisíveis.

Luís Antônio Pimentel é o autor das crônicas publicadas na Gazeta de Notícias, sob o pseudônimo de Faustus, selecionadas para este volume. Produzidas entre 1935 e 1937, refletem período em que o rádio comportava crônicas na mídia impressa e na programação regular das emissoras. O meio de comunicação era simultaneamente veículo e protagonista dos textos saborosos que agora temos a chance de ler neste trabalho, produto de intensa e cuidadosa pesquisa, missão de resgate mesmo, sob a coordenação do professor Aníbal Bragança.

A riqueza de detalhes das crônicas de Luís Pimentel, que permite a viagem no tempo e no espaço, é admirável. A cada página nos deparamos com informações sobre o rádio, objeto central das crônicas, mas também sobre personalidades, anônimos, lugares, datas especiais, acontecimentos no País e no exterior. As crônicas espelham sensações diversas – admiração, espanto, ironia, fúria, decepção, ternura, indignação, humor, afeto… Rádio-ouvintes, rádio-fãs, rádio-receptores são todos elementos de relatos com um mesmo fio condutor, em narrativa que se desdobra no formato de breves capítulos diários.

Da série de pequenos encantos, imagens poéticas, registros de ocasiões e sujeitos que o autor apresenta, vale destacar algumas amostras. Como a referência à tecnologia – “As torres de antenas são hoje os marcos do Infinito fincados na Terra”. Ou o registro pós-carnaval de 1936 – “Quarta feira de cinzas, madrugada. A chuva desce, impiedosamente, como que para apagar a cidade que incendiava instinto, mágoas, convenções, na grande festa que põe à tona todos os recalques”. O humor ao abordar as parcerias nas músicas carnavalescas – “O Lamartine Babo, nacionalista que é, confessa de público: ‘Lá vem um pedacinho que eu roubei d’O Guarany’. Sinceridade…”. A ironia ao comentar contratos de artistas para o rádio – “Um perigo está sempre iminente para aquele que procura, com critério, organizar um cast de real valor – o perigo dos pedidos dos amigos. Amigos que, na vertigem de fazer bem a uma criatura, fazem mal a quarenta milhões.” Informações sobre profissionais que não figuram na história oficial do rádio – “Paul tem sido, incontestavelmente, o fotógrafo número 1 dos nossos artistas de broadcasting. Paul, pela força da sua arte, ficou como que o fotógrafo oficial dos nossos cracks do microfone. Paul, positivamente, é o fotógrafo que está na moda”. E informações sobre pioneiros do rádio – “Corria o ano de 1923. A radiofonia no Brasil ainda engatinhava. Roquette Pinto foi o primeiro enamorado, no Rio de Janeiro, do invento de Marconi”. Além de particularidades da programação – “De uns tempos para cá, as crônicas têm sido tão inevitáveis nas nossas emissoras quanto a clássica ‘Hora Certa’. Não há uma emissorazinha, por mais modesta que seja, que dispense, a uma determinada hora, a leitura da crônica de Fulano de Tal”.

Os pormenores merecem destaque. Porque compõem um conjunto de dados sobre aspectos de um cotidiano – radiofônico, político, cultural – que se revelaria emblemático para a história brasileira. O estilo, perspicaz na forma e no conteúdo, que grava o momento em que o rádio se firmava como mídia de massa, é outro entre os atrativos das crônicas de Luís Pimentel. Como neste trecho: “Ninguém mais, hoje em dia, será capaz de negar a eficiência do rádio na difusão cultural. Com o seu todo de desassuntado ele entra em todas as casas falando aos que querem e aos que não querem ouvi-lo. O rádio é inevitável como o sorriso de um político em vésperas de eleição”. Ou na crônica de junho de 1936: “É noite. Noite quase fria. A gente sente os primeiros passos de um inverno retardatário, de um inverno funcionário público que já se desiludiu do abono”. Ou, ainda o inverno, nesta outra passagem: “O mês de junho deste ano, não sabemos se por ter o frio chegado mais atrasado do que um trem da Central, deixou que o cérebro criador de alguns diretores artísticos se pusessem em atividade e proporcionassem programas inéditos, interessantes, coloridos”.

Algumas crônicas exibem como pano de fundo a política do período, manifesta nos meses que antecederam o Estado Novo de Getúlio Vargas. Em janeiro de 1937 escrevia o jovem profissional admirador do rádio: “Malgrado a má vontade dos derrotistas que teimam, que persistem em não acreditar na eficiência do Departamento de Propaganda e Difusão Cultural, as suas irradiações em ondas curtas, suas irradiações para o estrangeiro, continuam agradando cada vez mais, a julgar pelo número de cartas recebidas diariamente pela direção do aludido Departamento, vindas de todas as partes do mundo. (…) Infelizmente o Governo ainda não se decidiu a mandar construir uma possante estação transmissora para o Departamento de Propaganda”. A emissora, saber-se-ia mais tarde, não teria de ser construída porque já existia formalmente desde 1933, controlada por um grupo de sócios e operando com o nome de Sociedade Civil Brasileira Rádio Nacional. A partir de 1940, estatizada por Vargas, se transformaria na emissora porta-voz por excelência do regime – a Rádio Nacional que o Brasil e o mundo conheceu.

Em meio a tantas informações, o dado formidável talvez seja o que a leitura dos textos de Luís Pimentel permite a cada leitor: a possibilidade de visitar o Rio de Janeiro dos anos 30, com suas glórias e imperfeições, bem ao estilo radiofônico – usando a imaginação. Trata-se de retrato bem acabado de um momento histórico a ser apreciado por meio dos olhos e ouvidos de um hábil cronista. Este é um livro para ser lido como lição de história e relato particular de uma era inequívoca de glamour no éter.



Sonia Virgínia Moreira

Rio de Janeiro, inverno de 2004.







Nenhum comentário: