sexta-feira, abril 08, 2005




A Igreja e o Papa



entrevista com Hermínio Miranda




este é hermínio. fico devendo uma foto dele que farei amanhã. esta gif retirei do site que recomendo : http://www.espiritnet.com.br/Biografias/biohermi.htm

suely coelho, a blogueira dos enta publicou um post levantando as questões que seguem, acrescentei algumas perguntas. em equipe, portanto, esta entrevista foi realizada.

convivo com Hermínio Miranda e sua família há alguns anos, pois todos os verões eles vêm para caxambu. é uma honra e uma benção para mim ter esta família como amiga. falar mais sobre este assunto me emociona. o hermínio precisa poupar sua saúde e respondeu com brevidade este questionário. uso das palavras de Wilson Guarcia para apresentá-lo a quem não o cochece ainda, o que considero diícil, pois tem uma vasta obra publicada com mais de 30 títulos abrangendo temas capitais.

por Wilson Garcia

"Um dos escritores espíritas mais lidos da atualidade, também tradutor, Hermínio Correa de Miranda, nascido em 1920, tem um fôlego para pesquisas e leituras tão amplo que não seria de todo equivocado afirmar que é o escritor dos escritores. Equipara-se, talvez, neste aspecto e em certa medida a Ernesto Bozzano.Em sua obra, extensa e também densa, sobressaltam as referências bibliográficas, ao lado de suas preferências temáticas e de uma preocupação constante com as conceituações, que deseja colocar claras para melhor expressão do seu pensamento.
Contribui para isso a competente capacidade de ler em diversas línguas e uma memória privilegiada que Miranda demonstra possuir, valorizando sobremaneira o seu autodidatismo."


1-Este assunto alguns blogs estão debatendo . O senhor poderia esclarecer melhor?

HCM. Estimada amiga Esther
Você não me pede uma entrevista, mas que escreva mais um livro.
As chamadas aqui expostas precisariam de mais espaço do que seria razoável numa simples entrevista. Sem desejar fazer um comercial, melhor seria ler alguns de meus livros, tais como O evangelho gnóstico de Tomé, Alquimia da mente (Editora Lachâtre: lachatre@lachatre.com.br e Cristianismo, a mensagem esquecida (Editora Clarim: oclarim@oclarim.com.br ) ou com uma das distribuidoras: www.candeianet.com.br

Vamos ver se dou conta do encargo.
Tentaremos abordar, tão sumariamente quanto possível, alguns aspectos mais relevantes. Devo, no entanto, avisar àqueles que me lerem, que sou espírita convicto e participante e, com o respeito devido às posturas alheias, minha leitura daquilo a que Teilhard de Chardin chamou de "o fenômeno humano", é, necessariamente, espírita. Outra coisa: tenho minhas discordâncias da teologia católica, tanto quanto os católicos têm das minhas, mas isso não quer dizer que devamos "satanizar" a Igreja. O papa recém-falecido deixou-nos um exemplo veemente e irretocável de tolerância, ao tomar a iniciativa de visitar pessoalmente líderes das grandes religiões institucionalizadas e dirigentes políticos com os quais não concordava quanto à filosofia ou à ideologia que adotavam no exercício do poder.


"Para mim, ateu e gnóstico eram a mesma coisa, mas não é, diz de suely coelho.

HCM -- Suely tem razão. Não são mesmo. Ateu é, literalmente, sem Deus, ou seja, aquele que acredita na inexistência de Deus, o que resulta, paradoxalmente, em curioso tipo especial de fé: a crença na descrença .
Quanto ao gnosticismo, é necessário entender, em primeiro lugar, que não se trata de religião, culto, seita ou ritual, mas de uma atitude de busca e perquirição ante a vida, ou seja, nós mesmos e a realidade que nos cerca, a visível e a invisível.
Convém lembrar que o termo provém de gnose, palavra grega que significa conhecimento. O gnóstico, portanto, é aquele que tem como diretriz básica conhecer o sentido das coisas.
Encontramos no Cristo, decisivo apoio para essa postura, quando ele resumiu, segundo o Evangelho de João, numa curta e incisiva frase, um ensinamento precioso, ao qual nem sempre prestamos a devida atenção. Disse ele: "Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará". Para ele, portanto, não são os cultos nem a fidelidade a esta ou àquela estrutura religiosa que nos levam à libertação e sim, o conhecimento da verdade. Prestaram atenção? Conhecimento da verdade.


A Filosofia Gnóstica

* Deus é transcendente, Ele sempre existiu, Ele não criou o céu e a terra para sua simples conveniência.

HCM -- O tema envolve antiga discussão em torno de transcendência e imanência, bem como panteísmo. Ou seja, Deus transcende a natureza humana e, portanto, está fora de nós, ou é imanente, quer dizer, está dentro de nós? E mais: está em todas as coisas criadas?
Harold Bloom, ícone internacional da crítica literária declara, em Presságios do milênio (Objetiva p. 11), que, segundo "o elemento dominante nas tradições religiosas ocidentais", ou seja, judaísmo normativo, Islã e cristianismo -- católico romano e ortodoxo e mais o protestantismo --, "...Deus é encarado essencialmente como externo ao eu". A gnose, no entanto, oferece a alternativa de uma "familiaridade ou conhecimento do Deus interior".
Sem mais extensos comentários, estou com Bloom. E com o Cristo, que disse reiteradamente que o "reino de Deus"está dentro de nós.
É claro que Deus sempre existiu, ou nós e o universo não existiríamos. É inaceitável a idéia de que o universo tenha resultado de um conjunto de circunstâncias reunidas e ordenadas randomicamente. Não me atrevo, contudo, a especular sobre as razões pelas quais e com que objetivo teria Deus criado o universo.


* Jesus Cristo é um intermediário entre Deus e os homens, Não é homem nem é o próprio Deus.

HCM - Discordo do preceito que propõe a divindade de Jesus. Trata-se, a meu ver, de um ser superior, cuja grandeza e pureza nem podemos avaliar. A propósito: entendo que ele não fundou uma religião, tal como as que conhecemos hoje, ele ensinou e exemplificou uma doutrina de comportamento, de responsabilidade, de amor.

* Jesus era um ser preexistente que se adaptou à percepção humana.

-- Preexistentes somos todos nós, desde que fomos criados - no dizer da Doutrina dos Espíritos --, como "individualizações do princípio inteligente". A diferença - e é uma astronômica diferença - está em que Jesus chegou ao tope da escala evolutiva e nós ainda estamos por aqui em luta aberta e construtiva contra nossas imperfeições.


* Os gnósticos preferem falar com Deus diretamente, sem intermediários.

HCM -- Todos nós temos acesso a Deus. Ele está ao alcance de nossa prece logo ali, dentro de nosso ser.


* O homem tem três naturezas: alma, espírito e corpo.

HCM -- Eu diria de outro modo: o ser humano não é corpo físico, ao qual está apenas acoplado, enquanto encarnado. A Doutrina Espírita conceitua o ser humano como espírito, alma e corpo físico e considera a alma, espírito encarnado. O apóstolo Paulo também pensava desse modo ao recorrer à língua grega para definir os três aspectos básicos do ser humano: pneuma [ espírito] psique [alma] e soma [corpo físico].



* Dualismo entre a luz e as trevas.

HCM -- Tanto quanto me é dado perceber, o problema do dualismo entre os gnósticos, nos séculos três e quatro, e os cátaros, nos séculos doze e treze, não deve ser tomado ao pé da letra. Estavam eles conscientes, sim, de um dualismo universal, que se expressa entre luz e trevas, bem e mal e outros. Alguns foram radicais nessa postura, a ponto de inventar um Deus como que secundário para explicar a origem do mal, por entenderem que o Deus bom e perfeito não poderia ter criado o mal. Mas, paradoxalmente, eram monoteístas convictos. Mesmo porque, tornava-se inevitável a conclusão de que a criação de um Deus do mal, teria de depender, redundantemente, do Deus bom. Infelizmente a literatura cátara é escassa demais para permitir uma avaliação mais precisa da doutrina que professavam. Portanto, mais uma sugestão aos interessados: para aprofundamento nessa temática, será preciso consultar outro livro meu, Os cátaros e a heresia católica, também da Lachâtre..



* Os homens podem ser divididos em três categorias: materiais, animais e espirituais.
1 - Os materiais enxergam o mundo material, não conseguirão atingir a redenção.
2 - Os animais agem pelo instinto animal, possuem tanto luz como trevas, eles podem ser redimidos se evoluírem a parte luminosa.
3 - Os espirituais conseguem perceber o espírito superior. Neles predominam a Luz.


HCM -- Precisamos, novamente, recorrer ao livro O evangelho gnóstico de Tomé, no qual o assunto é estudado em maior profundidade no capítulo" IX - Os três patamares da evolução."
A terminologia usual difere da que figura nas perguntas. O que vemos na literatura gnóstica é a classificação ternária: seres carnais ou hílicos , psíquicos e espirituais ou pneumáticos , o que considero no meu texto, "inteligente achado da didática gnóstica" (p.91, da edição de 1991.
O capítulo conclui com o seguinte parágrafo:
"Por tudo isso (que ficou exposto), seríamos, ainda na avaliação de um gnóstico, vasta comunidade humana estacionada na fase inicial dos "homens hílicos" e, portanto, dominada pelos conceitos materiais/carnais. Os seres do segundo patamar, os psíquicos, emprestam ao conjunto uma tonalidade ligeiramente mais lúcida, mas a luminosidade pura dos pneumáticos ainda não consegue atravessar as densas brumas, que aguardam o conhecimento para dissiparem-se."
Convém acrescentar que, também neste ponto, tais conceitos não eram estranhos ao ideário do apóstolo Paulo. De fato, ele se refere, em várias das suas cartas, aos seres carnais e aos espirituais, tanto quanto à trilogia paralela - soma, psique e pneuma, como vimos há pouco. Ver, a propósito desses termos, o capítulo 15 da Segunda Epístola de Paulo aos Coríntios, bem como a Primeira aos Tessalonicenses (5:23).





A Igreja e o Papa

HCM -- João Paulo II foi, merecidamente, uma unanimidade, mesmo entre os não-católicos. Percebemos isso no depoimento de diferentes líderes de várias denominações religiosas - muçulmanos, judeus, católicos ortodoxos e até intelectuais agnósticos Deixou sua marca na história. Suas posturas sociais demonstram aguda percepção e sensibilidade ante o ser humano desamparado, marginalizado e oprimido por tantas e tão severas injunções políticas, sociais, econômicas, educacionais, raciais, ideológicas e até religiosas
Minha atitude pessoal diante dele é de respeito e admiração. Discordo, no entanto, e com o mesmo respeito, não dele pessoalmente, mas da ideologia adotada pela instituição que ele representava e que lhe cabia preservar.
Talvez por isto, tenha ele sido considerado conservador demais para o gosto de muitos. E, de fato, o foi, em questões como o sacerdócio feminino, o celibato sacerdotal, a limitação da natalidade, a questão da sexualidade e outros tantos.
Estou de acordo, porém, com sua explícita condenação ao aborto e à eutanásia, bem como à clonagem e ao uso indiscriminado de células tronco.

Explico-me. As experimentações com a clonagem podem levar - como já se esboça - às tentativas de criar seres humanos em laboratório. Há cerca de trinta anos, escrevi sobre esse tema, dois artigos - um deles intitulado "Uma ética para a genética" e o outro, "Xerox de gente". Tais pesquisas, que tão fundamente envolvem o ser humano, exigem uma lúcida atitude ética, para não ficarmos, como costumo dizer, "brincando de ser Deus", quando ainda não sabemos sequer brincar como meras criaturas humanas. A "produção industrializada" de gente suscita graves questões subliminares, dado que a ciência contemporânea, tomada como um todo, prefere ignorar - por enquanto, avisa Teilhard de Chardin -- o conteúdo espiritual da vida.
A cada óvulo humano fertilizado corresponde uma entidade espiritual a ele imantada, ou seja, um ser vivo, preexistente, consciente e com uma programação a cumprir na existência que se prepara para viver na terra (re)ligando-se a um corpo físico.
Não se sabe, ao certo, em que condições se encontram as inúmeras entidades espirituais aprisionadas em outros tantos embriões congelados pelo mundo afora, apenas como matéria prima para extração de células tronco. Ou, como especulam alguns, para
garantirem um estoque de" peças sobressalentes" para substituição das que se encontram em mau estado de funcionamento no organismo de outros seres humanos.

Será que somos, na fase embrionária, apenas objetos armazenados para comercialização?

A utilização de células tronco retiradas do cordão umbilical, por outro lado, não suscita objeção ou interdição de caráter ético, de vez que se trata de substância até aqui, descartada, jogada no lixo. O mesmo se pode dizer das células obtidas no próprio ser encarnado.
Trabalhando com esse material vivo, talvez os cientistas até se convençam de que tais células têm importante conotação de natureza espiritual. Ao alcançar o campo magnético do perispírito do ser encarnante, elas se organizam, mediante comandos apropriados de acordo com as necessidades cármicas do espírito e da formação do corpo físico. Entram, pois, nesse campo, indiferenciadas e se transformam em células nervosas, sanguíneas, ósseas, musculares ou o que seja. Se você tem alguma rejeição à terminologia espírita, pode adotar a expressão "modelo organizador biológico (MOB)" proposto pelo cientista brasileiro Hernani Guimarães de Andrade. O dr. Gustave Geley , médico e pesquisador francês, pensava de modo semelhante, reconhecendo no ser humano, um psiquismo superior incumbido da transformação e ordenação do material indiferenciado fornecido pela mãe.


Respondendo especificamente à pergunta inicial deste módulo, sim, estou convencido de que foi considerável a influência exercida por João Paulo II no contexto da civilização contemporânea. Mais como autorizada e veemente voz dos humildes, excluídos e oprimidos do que como inovador social, dado que não dispunha dos poderes necessários para isso. Quanto à Igreja, foi conservador por contingência do próprio cargo que exerceu.
E aqui cabem algumas reflexões adicionais.
As instituições religiosas tradicionais movem-se cautelosamente e têm boas razões para isso, de vez que se caracterizam também como núcleos de poder. Se inovarem demais, deixam de ser o que são.
Tomemos para ilustrar esse aspecto um só exemplo - a doutrina das vidas sucessivas, ou seja, a reencarnação. Até quando os ideólogos e teólogos de religiões não reencarnacionistas poderão ignorar a força irresistível dessa realidade? Estou usando o termo realidade deliberadamente, dado que a reencarnação não constitui objeto de fé ou crença - tanto faz a gente acreditar como não, ela aí está. É uma lei natural, como outra qualquer.
Por mais estranho que isso possa parecer, o preceito reencarnacionista - não com essa terminologia naturalmente -- figura no ideário e nos ensinamentos do Cristo. Isso ficou demonstrado, tanto na passagem em que ele declara ser João Batista o profeta Elias de volta à vida terrena, como ao exortar Nicodemos sobre a necessidade de nascer de novo para realizar em si mesmo o reino de Deus. E ainda admirou-se de que o sábio membro da alta hierarquia judaica, ignorasse aspecto tão elementar da vida. Os apóstolos demonstraram melhor preparo na leitura de tal informação, ao concluírem que Jesus se referia a João Batista, o antigo profeta Elias, de volta à condição de ser encarnado, como, aliás, anunciaram as profecias.
Ora, a teologia das religiões não-reencarnacionistas não tem como acolher essa verdade, que cada vez mais se impõe pela força mesma das coisas. Se o fizesse, estaria pondo em risco evidente os alicerces de suas estruturas ideológicas. Se as vidas se repetem, com a entidade espiritual percorrendo ciclos alternados de existências na carne com estágios na dimensão invisível, como ficam os dogmas que exigem a unicidade da vida e conceitos paralelos como céu e inferno, demönio, salvação, ressurreição da carne e outros tantos?
Schopenhauer, tido como o filósofo do pessimismo, declarou certa vez, que o ocidente é uma estranha região do mundo onde se acredita que vivemos apenas uma vez. O que Harold Bloom confirma, como vimos no início desta conversa.

Eis porque costumo caracterizar a doutrina da reencarnação como subversiva, no sentido de que põe em cheque não apenas grande parte das religiões institucionalizadas como postulados científicos considerados indiscutíveis.

3-O que significam o papa e a igreja para o mundo católico ou não, em termos de visão cristã. ou seja os ensinamentos que recebemos de Cristo?

Um papa como João Paulo II muito significa para o mundo em que vivemos e não apenas para os católicos. Foi um líder e a voz dos fracos. E nós, nesta dimensão da vida, necessitamos de líderes e de heróis autênticos, para que possamos ver como é e que é a grandeza, principalmente a da humildade, que João Paulo, demonstrou, ao pedir perdão por atitudes equivocadas de sua própria Igreja, como a condenação de Galileu e a rejeição aos judeus, ou na visita que fez a líderes religiosos para levar sua cordialidade como irmão de todos, de vez que, sejam quais forem nossas crenças ou descrenças, há um só Deus, que nos criou a todos. Há outros desvios dessa natureza, como a Inquisição, as Cruzadas, a intolerância com todos aqueles, enfim, que ousavam pensar de modo diferente do que está prescrito nos códigos e dogmas.
João Paulo foi um cristão legítimo e convicto, pregando a doutrina do amor a Deu e ao próximo como a si mesmo, ensinada pelo Cristo.
Não há como dizer se ele tenha meditado sobre a evidência de que a Igreja como um todo submeteu-se, no correr dos séculos, a um auto-engessamento no âmbito de uma comunidade que evolui sem cessar, como prescrevem as leis divinas.


4-Afinal, quem foi o Cristo? E qual sua mensagem? Será que a ouvimos?

Jesus, o Cristo, é uma figura humana de incomparável estatura espiritual e conteúdo de sabedoria, um iluminado no mais amplo sentido do termo. Sua mensagem é a do amor. Como disse, aí estão a lei e os profetas. O resto é comentário.
Se ouvimos essa mensagem? Sim, todos nós, em numerosas existências vividas neste planeta, depois que ele aqui esteve há cerca de dois milênios. Ouvimos sim, mas ainda não conseguimos vivê-la em toda a sua plenitude.


Herminio C. Miranda




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