quarta-feira, maio 04, 2005




ocaso de caxambu



"Sem desenvolvimento econômico, somente a pobreza pode ser distribuída com justiça."
ana laura diniz, ( compasso no mundo ) no diário do comércio



dia estranho; almocei em são lourenço morta de desejo de comer um feijão com arroz digno e em seguida passei mal por ter saído da dieta. mas resolvi andar do restaurante até a livraria da sonia. apenas seis quarteirões me separavam do destino, mas levei três horas para percorrer a distância. no caminho encontro pessoas de caxambu. trabalhando em são lourenço! pessoas com lojas aqui que abriram outras lá! até o paulo, filho do prefeito, tem uma na cidade. o supermecado da família do antigo prefeito tem filial em são lourenço!

e são lojas maiores, mais bem sortidas, em pontos nobres. são lourenço só tem uma fonte pingando água mas cresce desarvoradamente. a livraria vende, a perfumista vende, o jornaleiro idem. o comércio funciona e o mais saboroso brioche é feito lá na padaria san remo que passou por reforma e foi aumentada. aqui em caxambu fechou a tradicional padaria da dona boneca. ontem um amigo me disse: "passei um mês em são paulo e algumas semanas em pouso alegre, cidade do sul de minas, e lá vendi meu trabalho. aqui em caxambu tudo é amarrado. senti enorme saudade, mas para viver aqui não dá. não tenho como sobreviver!"

kátia e lima que me ajudaram a convencer a mudar de são lourenço para caxambu agora partem para pouso alegre. passo no restaurante deles, uma grande chácara com a casa ao lado e fico triste. comia-se moqueca de pernambuco longe do mar, feijão pernambucano ao som de histórias de catende e do gonzagão, desculpem-me mas também coelhos, cabritos, ovelha deliciosa, que quando soube que ela chorava ao morrer parei de comer; saladas de capuchinhos, tomates secos preparados pela kátia, além da boa comida mineira. ai meu deus... e a conversa correndo de mesa para mesa, um descobrimento de mundo, de outras lonjuras. a alegria do lima e a comida da kátia.

a amizade fincou raízes e eles agora partem. " sobreviveremos como nesta cidade? pergunta kátia, que ficou para arrumar as malas. o lima já foi tem tempo. quem já está bem estabelecido, tem família e posses ainda agüenta, mas e quem só tem seu comércio para tocar? a cidade está muito devagar, parada no tempo e espaço e os grande só pensam em si mesmos e nos amigos. este é um lugar para se queimar o karma."

letícia, passeia pelas ruas de são lourenço no horário do almoço, agora trabalha lá e aguarda o meio do ano para mudar de vez. a cidadede caxambu vazia. os amigos partem. carilinhos já foi. agora toca o salão de belezas que o irmão tinha no leme." aqui, conta ele, era tudo pingado." e os jovens perguntam: o que a ciade tem a nos oferecer? nada, respondem. quando queremos diversão vamos para baependi! e um outro confidencia: caxambu está seguindo o mesmo caminho de cambuquira: virando cidade fantasma.

sinto um aperto no peito! eu não sou daqui mas vejo a cidade sem gente, sem calor e sem abrigo. lá se vão meus mais queridos amigos. ainda bem que marcia bacco resolveu ficar e ousar mais um tempo. é a veterinária da cidade.

e fernando victor ainda pergunta para cora ronái, em entrevista para seu jornal, se era melhor ficar calada do que falar sobre as mazelas da cidade! e justifica dizendo que falavam mal de mim. ora, todos me conhecem e sabem que falo quando vejo o errado! e que minha voz não será calada. sou jornalista até depois de morta. explique o porque, fernando! quando a cidade inteira, excetuando excessões que não contam, estava feliz porque alguém ousar dizer a verdade? jogar a bola para cora ronái, como diz você? a bola é nossa, fernando. nós é que temos de fazer o gol!

olho as tralhas do lima e trago para casa o coração confrangido.

o tempo passa rápido. sei que é pedir ação imediata da nova administração. mas para isto ela foi eleita: resolver o esvaziamento e a deterioração do que poderia ser a mais rica cidade do mundo em água mineral medicinal. caxambu poderia ser tudo se houvesse vontade em mudar, mas ficamos neste futuro condicional: poderia. restará na cidade uma elite que abrirá lojas em são lourenço, fará comércio por lá. e talvez os plátanos do parque das águas porque estão plantados e não têm outra alternativa, com seus buracos de broca cobertos por barro, o barro vermelho desta terra.

é triste ver o desaparecimento de um astro no horizonte. por mais belo que seja o ocaso ele carrega a angústia do rito de passagem do dia para noite . por mais que flameje ouro, o se pôr, como os céus daqui onde as tintas são fortes como as dos pintores impressionistas.



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