quarta-feira, julho 20, 2005


correição de mortos

quando ela chega, na calada da noite, ou nas horas paradas do dia, nestas horas em que o tempo faz uma pausa na respiração para encontrar concordância com a justaposição das notas, ela chega. basta um piscar, um desdizer do coração, um tropeço do sangue nas veias, ela chega. de dedada, como se fosse improviso, leva o mais amigo, o que pouco se viu, mas enfeitava a paisagem, a que tem palavras doces, o dos ditos amargos, o suave, a rascante, ela chega e leva assim, por um nada, um dá cá aquela palha. e os mais antigos perecem em fila indiana. vão-se. para onde, virge maria, para que, uai! que campos visitar, chê? ela chega e leva na encolha dos dias mais frios, que são mais luminosos, logo depois da geada, recolhe como se folhas mortas que rolam ao vento de agosto iniciado em julho. e ao som das linhas cruzando pipas no céu a procissão segue seu enredo de lágrimas, ausência e desespero a caminho do alojamento de carcaças. no passo lento da arte que é sempre uma perda o homem que limpa o jardim tira o chapéu e faz o pelo sinal. cruzes brotam no asfalto em alas para ensinar o caminho que, derradeiro, cambaleia nos passos indefinidos dos que sustentam as alças do estojo onde em vez de lápis repousa gente, onde em vez de palavras brota o suor , crescem as unhas do morto, da morta. silenciosamente.
ela paira aqui da cidade. como correição de formigas vamos todos ao cemitério, cortar rente a grama que não cresce de tão macerada porque este ano, só neste ano, ó xente, tanta gente já se foi que no próximo, talvez, só restem os mais novos para a colheita dela. todo inverno é a mesma churumela que ela nos traz, os tetos baixos, nenhuma janela e a perda das próprias pernas que na perna dos outros concilia por um leve suspiro seu andar.

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