quarta-feira, novembro 23, 2005




artigo de celso ming publicado no estadão

recebi de ana eliza frança salbert e publico. me comove ser de lugar algum e me parece que estas pessoas reclamam algum lugar. me comove o que acontece na frança. me comove o mundo. obrigada ana eliza. veja matérias sobre o assunto em condomínio brasil




A 70 mil km de Paris


CELSO MING


A França se proclama campeã da liberdade, da igualdade e da fraternidade, mas vai amargando a revolta de 6 milhões de descendentes de imigrantes do Norte da África que se sentem excluídos da sociedade do bem-estar social.

Em boa parte pela repressão garantida pelo estado de emergência até fevereiro e outro pouco por simples cansaço, o quebra-quebra vai sendo contido, como mostram os relatórios que chegam pelas agências de notícias. Ficará por ser resolvido o problema de fundo: a exclusão social.

Antropólogos, sociólogos e filósofos dedicam-se agora à autópsia do movimento. As esquerdas afirmam que é fruto do fracasso dos programas de integração e das políticas industriais adotadas pelos governos dos últimos 40 ou 50 anos. E pedem responsabilidade social. A direita aponta o dedo acusador para o que chama de políticas demagógicas (como a da jornada semanal de 35 horas) e a falta de reformas trabalhistas que cortem os custos de produção e detenham o fechamento de fábricas. E pedirá mão pesada contra a "escória", como tem trombeteado Nicolas Sarkozy, o ministro do Interior, que está de olho na sucessão de Chirac.

Falta dizer que parte da explicação pelo acontecido está a 70 mil quilômetros de Paris. Trata-se da rápida e inexorável industrialização da Ásia, especialmente da China, da Índia, da Coréia do Sul e do Vietnã, que vai nivelando por baixo salários e condições de emprego em todo o mundo. A situação dos descendentes de imigrantes já era ruim desde os anos 50, quando o Plano Marshall e a recuperação de pós-guerra favoreceram o recrutamento de estrangeiros para a execução de trabalhos braçais. A transferência da manufatura para a Ásia apenas agrava o problema.

Só a China incorpora ao mercado de consumo e de trabalho entre 35 milhões e 40 milhões de pessoas por ano, o equivalente a uma Argentina. Essa gente dá graças a Deus por encontrar alguma ocupação, mesmo recebendo salários de US$ 50 por mês, sem acesso a direitos trabalhistas, férias, previdência social e educação qualificada. Nesse sentido, o galopante processo de globalização é includente.

Mas cada vez que um consumidor do mundo rico compra um made in China no shopping de sua cidade ajuda a pagar salários miseráveis e contribui para o aumento do desemprego à sua volta. Nesse sentido, o processo é excludente.

Como resultado global, a China passou a influenciar as grandes variáveis macroeconômicas. O fluxo comercial mudou porque a China exporta quase meio trilhão de dólares por ano para o resto do mundo. O câmbio mundial está sob impacto da cobertura pela China do maior rombo das contas externas da história dos Estados Unidos. A China atrai US$ 55 bilhões por ano em investimentos estrangeiros e, com isso, determina o fluxo de capitais. A política fiscal americana não seria o que é se a China não comprasse cerca de US$ 240 bilhões por ano em títulos da dívida do Tesouro dos Estados Unidos. Os juros americanos só puderam ser tão baixos porque a China se dispôs a reciclar seus superávits comerciais. Quando a General Motors anuncia, como fez ontem, o fechamento de 9 unidades de produção e o corte de 30 mil postos de trabalho (até 2008), por trás disso está a expansão do setor de veículos na China que, em 1998, produzia 1,6 milhão de unidades e neste ano deverá produzir 5,2 milhões.

Não passa pela cabeça do descendente de argelino que meteu fogo num Citroen no subúrbio de La Courneuve, na zona norte de Paris, que a China tem algo a ver com a revolta que passa por dentro de sua alma.




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