domingo, dezembro 18, 2005





a força do destino, de Nélida Piñon





Para mim este é uma página de um hino dolorida de gloriosa beleza do livro "A Força do Destino", da escritora Nélida Piñom.
Há dias a tenho na memória e desejava compartir com vocês que , por acaso, vêm até aqui.

Este livro traz uma dedicatória, que me faz lembrar que decepcionei os augúrios da autora. Nesta madrugada olho para estas palavras e pergunto-me: ainda haverá tempo? : "À Esther querida, este a Força do Destino"com o abraço sempre amigo de quem aposta em você, companheira de ofício,
da
Nélida Piñon em 24-3-1978"

Primeira aposta perdida pela Nélida . Que lástima!




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"Unicamente por minhas mão ingressariam ambos na língua portuguesa, que é, como expliquei a Álvaro, um feudo forte e lírico ao mesmo tempo. Um barco que até hoje singra generoso o Atlântico, ora consolando Portugal, ora perturbando o Brasil. E porque esta língua tem vocação marítima, entende bem os impropérios do vento, mais que qualquer outra se deixa levar pelos sentimentos. Os ais e os prantos a seduzem tanto, que esta língua busca as estradas de ferro para medir de perto a intensidade das mágoas que só ganharão corpo e expressão através de seus recursos. E porque ela se orgulha do que é humano, esta língua portuguesa, de rosto e sexo ardentes, é caspas de saber , apenas pelo apito do trem, se quinta-feira é dia dos amantes usarem-na quando se querem perder para sempre. E como está em todas as partes, é privilégio seu provar a saliva de qualquer beijo, sentir-lhe a densidade do sal. Pois quanto mais salgado o beijo, mais as desesperadas palavras de seu patrimônio ganharão saída pelos poros, os olhos arregalados.

Nestas horas, como de propósito, a língua estimula os lamentos africanos, que lhe foram incorporados nos últimos quinhentos anos pelos brasileiros. Com eles ela ganhou força e ardência. Ficou uma língua morena. Talvez por isso se comova com tanta facilidade, e solidarize-se muito mais comum corpo em frangalhos do que quem sai altivo do embate amoroso. Tornou-se a língua portuguesa plangente, de índole excessiva, e deseja que usem vinte de seus vocábulos, quando apenas três talvez expressem parte dos seus sentimentos.

Daí esta língua precisar de que seus amantes se excedam, imaginem o coração incapaz de novo afeto."
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Composta num estilo compacto, mais sinfônico, a ópera "A Força do Destino", de Verdi, onde Nélida foi buscar inspiração, nela a orquestra é usada para fazer brotar o significado emocional de cada cena . A ópera introduziu o uso de vestes comuns pela primeira vez, numa Itália que Verdi pretendia fraterna. Contava a história do amor de Álvaro e Leonora. No livro Nélida conta a mesma história como a cronista que acompanha as aventuras do casal,mas em seu estilo quente , poética, usando da imaginação para conferir maior dramaticidade e certa leveza de graça ao texto.

Sobre a ópera, como estilo, diz Vargas Llosa num artigo:

"A ópera não é só uma partitura e algumas vozes; é também uma história, uma trama de relações humanas em que os grandes temas, o amor, o destino, a morte, o acaso, a guerra, a injustiça, a solidão, a amizade, o prazer, o ódio, comparecem em seres que, num cenário, dialogam e compartilham pedaços de vida. E precisamente porque essa história não é dita e sim cantada, isto é, porque numa ópera o fictício da representação é levado à sua máxima expressão - a sua total irrealidade - é imprescindível que, além da destreza e da perfeição com que a partitura é interpretada pelos músicos e os cantores, estes sejam também capazes de encarnar seus papéis pelo menos com a fluência dos bons atores. Ocorre muitas vezes, por sorte. "


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