o que a palavra escrita carrega de dizeres
é mais ou menos assim: uma esther analfabeta, isto é, uma parte de meu cérebro que usa a semiótica da simplicidade: escolha a partir das impressões sensoriais, dita para a esther letrada o que ela deseja que os leitores leiam. a esther dos abecês escreve, mas há nela uma facção intelectual que aprimora o que é ditado pela inculta. então, burila, adequa, transforma, enfim, e publica.
chega o leitor e lê aquilo com sua interpretação, seu shape de emoções e entende o que deseja. converte o que lhe agrada na escrita em outro prazer, em síntese, transfigura o dito, o enriquece com sua experiência, sua visão pessoal e intransferível de vida, ou o empobrece porque nada entende , nem sente o que é dito em letras.
em central do brasil, filme de walter salles, a escrivã interpretada pela fernanda montenegro escreve para analfabetos, cartas a seus parentes distantes. ela escreve a seu modo o que o outro diz. os parentes recebem a carta e pedem a outro conhecedor das letras para lê-la: e a carta ditada, escrita por outro que incorporou e ela novos elementos, ganha novos dizeres na leitura de quem oraliza, interpreta a escrita, este cujo quem a carta não foi endereçada mas a traduz para quem o texto deve dizer alguma coisa. claro que à sua tradução ele acresce elementos de sua interpretação.
já é uma terceira ou quarta carta esta. e o ouvinte, abestado, pleno perplexidade, pergunta-se como pode letra ir tão longe, recebe as palavras, não mais as que foram ditadas, e as interpreta em sua realidade. deve ser esta a quinta carta, o quinto texto, se duvidar o sexto e sétimo, quando se transforma em história oral ao ser contado aos amigos e parentes que fulano escreveu uma carta que veio de não sei onde e chegou toda cheia de poeira da estrada.
uai, no final deste papo quantas cartas escrevemos e que, aliás, nada dizem? ou será que falam e não escuto? escrevemos sim, porque ao ler, você, querido ouvinte, interpreta.
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