terça-feira, maio 27, 2008
poemas de ricardo augusto dos anjos, adélia prado e esther lucio bittencourt
m leonora carrington, auto-retrato
Antecâmara do Espanto
Ricardo dos Anjos
1.
Não sei o que primeiro
-- pranto ou espanto –
estalou na alma
como um ovo oco
Só sei que habitamos
um teto de aranhas
a tecer negras nuvens
em torno do sonho
O verso nos sustém
a forma e o susto
porém nos liquefaz
se continuamos surdos
Não é bem o espanto
que nos causa medo
e sim o próprio pranto
no travesseiro
Pior, antes do pranto,
o gesto da direita
apalpando a ausência
da companheira
2.
O passado é um olho podre
que permanece atento
3.
Se estamos, é porque existe espelho
e nós, hirsutos, frente a frente a ele
curtindo o que de nós ao rosto aflora
com a mão na madrepérola da navalha
aguardando a hora e o grito antecipado
para sangrar bem o túnel dos olhos
e fazer do sangue espesso rio vivo
distribuindo o espanto pelos fios
Ensinamento
Adélia Prado
Minha mãe achava estudo
a coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,
ela falou comigo:
"Coitado, até essa hora no serviço pesado".
Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com água quente.
Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo.
sinistra palavra
esther lucio bittencourt
um olho só na cara.
dois olhos. seguros;
ao ver a cena muda
é certo dar-lhe fala.
sinistro som palavra
sem cor soa na sala.
paredes curvam-se,
gemem, a porta cala.
e à mesa há repasto
de farinha, leite, mel,
a mosca rumina lenta
seu argumento final
o trem viola a toalha
posta como linho frio
cheiros, gritos, metal.
e vozes , o som cruel.
um olho só na cara no
rosto de pergaminho.
ao ver a cena muda
inventou enfim a fala.
sobre a invasão no méxico de esculturas de leonora carrington:
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