terça-feira, setembro 09, 2008

"minúsculos assassinatos e alguns copos de leite" de fal azevedo


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"minúsculos assassinatos e alguns copos de leite" de fal azevedo





o único problema ao ler o livro da fal é que você pode tornar-se íntima dos personagens, querer morar na casa de praia em bertioga e adotar cães e gatos largados na rua.

o livro chegou ontem pelo correio enviado pela autora, fal azevedo: "minúsculos assassinatos e alguns copos de leite" lançado dia 2 de setembro em são paulo, editado pela rocco. li de um fôlego só. e fiquei sem o dito após ter recebido vários socos no estomago. assim como seus personagens, os do livro, que sofrem de asma, perdem o ar constantemente, como alma.

a trama é fracionada. a respiração não completa seu ciclo durante a leitura do livro ; sístole e diástole ficam comprometidas. o fio condutor do romance é a capacidade da escritora, que narra a história em primeira pessoa, mas adota a personagem alma para apresentar a vida que é assassinada a cada curta expiração/inspiração porque, necessáriamente, o leitor precisa de oxigênio para atender às suaa necessidades e também não sucumbir a cada lambada recebida ao ler cada parágrafo.

não tem isto de ver o feio sem se importar. sente-se o feio, o vômito, a droga que transborda no sangue; não há como ser cumplice de cada ato ou receber a notícia como quem vê um terremoto distante. a autora empurra por nossa goela abaixo os espantos e o livro é escrito nas nossas entranhas porque nos faz perceber que fazemos parte do mundo.

alguns a diriam pós-moderna, ou seja, produto da sociedade apressada e convulsionada das metrópoles. no entanto qualquer rótulo que se usar para descrever a escrita de fal azevedo, que utiliza os flash-backs de cinema e novela, ousa levar para a escrita a técnica do rádio, sem cerimônia, pois a vida é uma colcha de retalhos mesmo, -o que fazer?- acaba por sucumbir ao lugar comum, onde a escritora não ancora sua criação.

portanto, diriam os sábios críticos que a escrita dela é fragmentada. eu digo que sua escrita reflete a respiração dos que moram das grande cidades. curta, apressada: uma respiração que se não é completada ali procura compensar acolá com um mergulho mais profundo de ar nos pulmões para que os neurônios não morram.

mesmo quando alma senta-se com seu lurdiano para olhar a tarde, observar o outro a enrolar um cigarro de palha ela está na ponta dos cascos afiados da reminiscência. é a vida. a vida tem destas coisas, sangue, catarro, cocô e junto com as excrecências nascem os copos de leite da poesia.

a capa do livro é de uma metáfora fantástica: somente a romã, com suas contas minuciosamente separadas, mas que formam uma fruta inteira poderia resumir a saga de "minúsculos assassinatos e alguns copos de leite."

jean françois lyotard, filóso francês que bebeu da água fragmentada dos jogos de linguagem de outro filósofo, ludwig wittgenstein,, em seu livro a condição pós-moderna(1979), fala da fragmentação e multiplicação de centros e a complexidade das relações sociais dos sujeitos a expressar uma condição de vivência de vida segmentada, picada, de periferia da alma.

"Simplificando ao máximo, 'pós-moderno' é a incredulidade em relação às metanarrativas." Segundo Lyotard "não podemos mais recorrer à grande narrativa - não podemos nos apoiar na dialética do espírito nem mesmo na emancipação da humanidade para validar o discurso científico pós-moderno."

a midiática internet, que incorpora toda a bagagem humana em seu códice é a vertente atual de toda escrita. quando em "um defeito de cor" que em 2007 recebeu o prêmio casa de las americas, a autora ana maria gonçalves usa mais de novecentas páginas para tentar um "grande sertões e veredas" comete o grande equívoco de tempo e espaço. o livro não fica impresso em nós. resquinge-se ao papel.

com suas poucas mais de 200 páginas fal azevedo desinventa o papel, despreza a mídia impressa, visual e falada para criar a prensa moderna: a que imprime os textos no corpo do ser humano ,o único que será lido na posteridade pois é sempre dele, de nós, que tratamos.

não?

a literatura produzida hoje em dia sempre me deixava inquieta pois eu sentia que era necessário mais, transgredir normas, desinventar padrões, interferir nos cânones. ao ler "minúsculos assassinatos e alguns copos de leite" minha angústia pelo mais ficou aplacada. por um breve tempo. até que fal azevedo produza outra obra.

é uma cobrança direta, fal.



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