terça-feira, setembro 30, 2008

orlando e zorra, a cadela cor-de-rosa

orlando e zorra, a cadela cor-de-rosa





tem tempo que é só de espera. por exemplo: pantera, a égua, devia ter parido no dia 26 de setembro e até agora, nada. orlando está com câncer, piora, melhora e empurra a sobrevida com a barriga. lentas, as marcas aumentam no piso de cimento queimado da varanda. elas esperaram 15 anos para chegarem ao ponto em que estão, dia a dia aumentam, não são marcas apenas. rachaduras, profundas cicatrizes, isto sim. e, neste quadrado de cimento fendido, zorra dormitava e orlando a olha. zorra estava com febre. o pelo de suas costas caiu quase pela metade devido a uma súbita infeção bacteriana.



os dois foram ao vinícius esta semana, veterinário em baependi, município vizinho, que por telefone já fez o diagnóstico da zorra. mas é sempre bom olhar. no consultório ele disse: nem pensar em operar orlando, que ele morra com qualidade de vida. remédio para dor e só. eu espero ouvir um gemido, um ronco mais alto, sentido. aí em vez do remédio dele dou um dos meus, que uso quando a perna que quebrou dói muito. e assim vamos. zorra tem na pele uma infecção bacteriana, parece a cadela cor-de-rosa da elizabeth bishop. a pele rosada está à mostra. inchada. então é azium, baytil e terracortil. orlando tem 15 anos, zorra 13.

ah! por que chamam orlando e zorra? explico; primeiro veio virgínia woolf uma fox paulistinha que mesmo fora do cio amava sexo. para não ficar só , orlando foi comprado. orlando porque a obra que mais gosto da virgínia woolf tem este nome. os dois fizeram uma ninhada de filhotes. ora, rebentos nascidos do encontro amoroso de escritor com obra só pode dar em zorra. daí zorra ter ficado com o nome de zorra.

virgínia já morreu. agora, velo orlando. ele fica sempre ao pé de mim. os dois. noutro dia , no escuro quase quebrei a perna da zorra, pisei nela. foram semanas de convalescência e gemidos. quando um piora, dorme no meu quarto, na sua cama ao lado da minha cama. e eu espero que eles se despeçam de mim. espera, é o bordão.

neste momento dormem ao meu lado enquanto digito. orlando e zorra, a cadela cor-de-rosa. fernando niman perguntou-me hoje se ser cão é somente um estágio na vida humana. não sei. considero os cães mais humanos e sensíveis do que os ditos humanos racionais. trocamos bem figurinhas. só que com seus parcos dentes zorra me mordeu hoje quando lhe dei o remédio. mordida de nada. mas ficou a marca no dedo. trocamos afeto, eu pisei na perna dela, ela mordeu meu dedo. empate.

este é o título de um poema de elizabeth bishop, a escritora norte-americana que morou durante vinte anos em petrópolis e ouro preto.



CADELA ROSADA



tradução de paulo henriques brito


Elizabeth Bishop


[Rio de Janeiro]

Sol forte, céu azul. O Rio sua.
Praia apinhada de barracas. Nua,
passo apressado, você cruza a rua.

Nunca vi um cão tão nu, tão sem nada,
sem pêlo, pele tão avermelhada...
Quem a vê até troca de calçada.

Têm medo da raiva. Mas isso não
é hidrofobia — é sarna. O olhar é são
e esperto. E os seus filhotes, onde estão?

(Tetas cheias de leite.) Em que favela
você os escondeu, em que ruela,
pra viver sua vida de cadela?

Você não sabia? Deu no jornal:
pra resolver o problema social,
estão jogando os mendigos num canal.

E não são só pedintes os lançados
no rio da Guarda: idiotas, aleijados,
vagabundos, alcoólatras, drogados.

Se fazem isso com gente, os estúpidos,
com pernetas ou bípedes, sem escrúpulos,
o que não fariam com um quadrúpede?

A piada mais contada hoje em dia
é que os mendigos, em vez de comida,
andam comprando bóias salva-vidas.

Você, no estado em que está, com esses peitos,
jogada no rio, afundava feito
parafuso. Falando sério, o jeito

mesmo é vestir alguma fantasia.
Não dá pra você ficar por aí à
toa com essa cara. Você devia

pôr uma máscara qualquer. Que tal?
Até a quarta-feira, é Carnaval!
Dance um samba! Abaixo o baixo-astral!

Dizem que o Carnaval está acabando,
culpa do rádio, dos americanos...
Dizem a mesma bobagem todo ano.


O Carnaval está cada vez melhor!
Agora, um cão pelado é mesmo um horror...
Vamos, se fantasie! A-lá-lá-ô...!

1979


PINK DOG

[Rio de Janeiro]

The sun is blazing and the sky is blue.
Umbrellas clothe the beach in every hue.
Naked, you trot across the avenue.

Oh, never have I seen a dog so bare!
Naked and pink, without a single hair...
Startled, the passersby draw back and stare.

Of course they're mortally afraid of rabies.
You are not mad; you have a case of scabies
but look intelligent. Where are your babies?

(A nursing mother, by those hanging teats.)
In what slum have you hidden them, poor bitch,
while you go begging, living by your wits?

Didn't you know? It's been in all the papers,
to solve this problem, how they deal with beggars?
They take and throw them in the tidal rivers.

Yes, idiots, paralytics, parasites
go bobbing int the ebbing sewage, nights
out in the suburbs, where there are no lights.

If they do this to anyone who begs,
drugged, drunk, or sober, with or without legs,
what would they do to sick, four-legged dogs?

In the cafés and on the sidewalk corners
the joke is going round that all the beggars
who can afford them now wear life preservers.

In your condition you would not be able
even to float, much less to dog-paddle.
Now look, the practical, the sensible

solution is to wear a fantasía.
Tonight you simply can't afford to be a-
n eyesore... But no one will ever see a

dog in máscara this time of year.
Ash Wednesday'll come but Carnival is here.
What sambas can you dance? What will you wear?

They say that Carnival's degenerating
— radios, Americans, or something,
have ruined it completely. They're just talking.

Carnival is always wonderful!
A depilated dog would not look well.
Dress up! Dress up and dance at Carnival!

1979

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