Esther Lucio Bittencourt
Tem pra mais de 50 anos o caso do Vicentinho.
Era um tal galorote de barba mal despontada que
avisou que a bela mulher de saia remexendo os quadris descia a rua com a
criança na mão.
Vicentinho já estava sentado na cadeira do
barbeiro. Àquele um que ficava na esquina da rua mais movimentada da cidade de
poucas almas.
Hoje finou.
Então o galorote , todo empinado , que ia receber
as pagas do bicho que seu pai botava banca, no tempo do tudo permitido, colocou
o pé na parede da casa, como os homens
faziam, repousou as costas nela, de
frente para a calçada , e acompanhou a andada da mulher . Avisou pra dentro da
barbearia que parece que ela está vindo nesta direção .
Vicentinho deu um salto até a porta da barbearia,
com risco da tesoura de mestre Aroldo fazer estrago no seu cultivado bigode e,
com meia cabeça para fora , acompanhou o trajeto. Quando viu que era vero, que
ela vinha que nem vento balançando a roseira, nos saltos altos, de classe, a
mulher, direto em linha reta para o empreendimento, saltou de volta para a
cadeira e pediu que o Mestre dos cabelos e bigodes aparasse um fio rebelde
imaginário.
Seu Aroldo pegou da navalha com a mão trêmula,
para fazer a cena mais convincente, e fingiu que acertava as penugens que
nascem entre o bigode e o nariz. Belo bigode,
dizia a cidade para o maior garanhão que vivia pelas paragens.
Vicentinho, sempre de calça esporte e paletó fino já havia provado de um tudo
dos sabores femininos, dizia garboso.
A mulher entrou na barbearia e perguntou pro
mestre se ele atenderia mais alguém
além do homem sentado na cadeira pois trouxera seu filho para cortar o cabelo.
Coisa de pouca monta a fazer nesta barba, garantiu
mestre Aroldo.
A mulher sentou na cadeira, cruzou as pernas justo
em frente ao espelho onde estava a cadeira do Vicentinho e onde o mestre
esmerava em apontar os fiapos.
O nervoso foi sentido até na cidade vizinha.
Mestre Aroldo raspou de um só golpe metade do bigode cevado do Vicentinho.
Ar parado, nem suspiro dava para ouvir. Mas nenhum
deles tirava os olhos das pernas da mulher. Mulher de família, letrada, pois
que ensinava o alfabeto para a criançada da escola. Muito digna, isto sim. O
que não impedia a beleza das curvas e das retas.
O Galorote, atento ao movimento, reteve a
respiração: Vicentinho com meio bigode!
Mestre Aroldo fez o que fez , mas precisou rapar
tudo. Nem um só fio restou no rosto do Vicentinho que, cabisbaixo de vergonha
da cara nua, saiu da barbearia.
Enquanto cortava o cabelo do filho da mulher
Mestre Aroldo pensava: este nunca mais que vem aqui e é bom cliente.
Dia seguinte, Mestre Aroldo abre a porta do
empreendimento e logo chega Vicentinho que todas as manhãs tinha um fio rebelde
de bigode para aparar, mas, desta vez, glabro.
Apertou a mão do Mestre e disse , voz de baixo:
Foi justo, foi justo.
Um comentário:
Querida Esther,
Deliciosa linguagem, meio caipira, que lembra goiabada com queijo.
Adorei a forma e o conteúdo. E terminar com o glabro que li em Chico, foi um achado. Só faltou o esgargalado do Saramago.
Beijo
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