sábado, novembro 29, 2003

o que dói não é descontar para a previdência social. dói saber que este dinheiro servirá não para cobrir diferenças em cofres públicos, como está sendo dito, mas atenderá aos cofres privados. elb



DISCURSO DE HELOISA HELENA CONTRA A REFORMA DA PREVIDÊNCIA


Por LEO 29/11/2003 às 14:04


SEGUE ABAIXO O DISCURSO DA SENADORA HELOISA HELENA, QUE MANTENDO SUAS OPÇÕES POLÍTICAS NA DEFESA DOS TRABALHADORES E MANTENDO A HISTÓRIA DO PT, DECLAROU SEU VOTO CONTRÁRIO A REFORMA DA PREVIDÊNCIA.


A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem
revisão da oradora.) -

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, mais uma vez, falarei sobre a reforma da previdência e sobre o acordo com o Fundo Monetário Internacional, até porque um assunto está diretamente relacionado ao outro.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, repetirei - porque aqui já foram repetidas coisas diferentes, e o farei quantas vezes necessário for - que a proposta de reforma da previdência que está tramitando nesta Casa, e que possivelmente será votada amanhã, não faz nada para combater os privilégios nem para incluir os filhos da pobreza, os excluídos e os marginalizados.

E evidentemente que, com o acordo que certamente estará sendo montado na
partilha de cargos, na possibilidade de usufruir o banquete farto do poder,
teremos a oportunidade, inclusive, de desmascarar o falso moralismo de
alguns que dizem que essa proposta de reforma da previdência combate os
super-salários de R$30 mil, de R$40 mil, de R$50 mil. Teremos a oportunidade
de mostrar que ela efetivamente não faz.

Amanhã será um dia muito importante. A votação pode ser na terça-feira,
na quarta-feira, porém, mais cedo ou mais tarde, a realidade implacável se
encarregará de mostrar a verdade. Refiro-me à mentira que alguns políticos
pregam, com desfaçatez, de que os filhos da pobreza, os marginalizados,
aqueles que são alvo do discurso oficial de políticos que, em época de
eleição, tocam, pegam na mão e até entram em suas casas pobres, serão
incluídos na PEC paralela. Isso não é verdade.

Sr. Presidente, faço questão de dizer que as PECs que estão tramitando não
combatem os privilégios nem os super-salários. Amanhã e depois, veremos, com
a mais absoluta clareza, a defesa dos penduricalhos dos Senadores, dos
super-salários dos Estados do mesmo jeito que veremos que, quando se tratar
do pobre, trata-se de norma de eficácia limitada. E como o Senado se
predispõe a ser um medíocre anexo arquitetônico dos interesses do Palácio do
Planalto ou da Câmara também nada irá fazer. Pode até se comprometer a votar
- Deus sabe quando! - a PEC nº 77, mas mesmo a de nº 77 é norma de
eficácia limitada e não confere direito. Poderia conferir se aqui no Senado se
quisesse realmente incluir as emendas que conferem o direito e não apenas a
possibilidade de direito.

Mais uma vez, concederemos ao Governo, ou por meio de um projeto de lei
complementar a ser votado no ano eleitoral ou por meio de uma medida
provisória, aquilo que efetivamente nos cabe como norma estabelecida na
Constituição do nosso País.

Do mesmo jeito que nem a PEC nº 67 nem a PEC nº 77 conferem paridade.
Não vamos mentir porque fica feio, Senador Mão Santa. Para entrar aqui é
preciso ter idade mínima. E o cidadão mentir depois de velho é horrível. Então,
não vamos mentir: essas PECs não conferem paridade alguma. Só confere
paridade se o servidor tiver, cumulativamente, 60 anos, sendo 35 anos de
contribuição e 25 anos de serviço público. Não vamos mentir porque é muito feio
fazer isso. Não há paridade nem na PEC nº 67 nem na PEC nº 77. Não há.


Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é importante que mais uma vez
fiquemos repetindo isso. Dizia o grande Fernando Veríssimo em um poema
muito lindo: "Se a virtude estivesse mesmo no meio-termo, o mar não teria
ondas, os dias seriam nublados e o arco-íris seria em tons de cinza".


Sei que para todos desta Casa este é um momento especial. Talvez seja
muito especial para mim, porque pelo debate da reforma da previdência, do tal
voto da reforma da previdência, terei, mais uma vez, de mexer e remexer na
inquisição. Mais uma vez vou virar carvão nas fogueiras estabelecidas por
aqueles que acham que defender o que estamos defendendo não é fidelidade
partidária. Muitos que vomitam o debate da fidelidade partidária fomentam
nos partidos alheios a infidelidade. Muitos dizem que é preciso haver
fidelidade conjuntural por ser uma fidelidade governista e não partidária.

Fidelidade partidária é defender aquilo que, ao longo da história, é acumulado como concepção programática por um partido. Sinto-me absolutamente tranqüila por estar defendendo aquilo que, ao longo da história, aprendi ser concepção programática, convicção ideológica, visão de mundo, dentro do meu Partido, o Partido dos Trabalhadores.

Florestan Fernandes dizia que a coisa mais difícil que ele fez na vida foi permanecer fiel à sua classe de origem. Sei o que realmente me espera nos próximos dias.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, farei algumas breves considerações a respeito do acordo com o Fundo Monetário Internacional. A vice-Diretora do FMI, Anne Krueger, é considerada a irmã mais malvada de Fred Krueger, que aparece em filmes de terror.

Todos sabemos o que significa o acordo com o Fundo Monetário Internacional. Lógico que conhecemos também a propaganda triunfalista do Governo em relação ao FMI. É algo impressionante!

Os economistas moderados, os ganhadores do Prêmio Nobel de Economia,
personalidades do mundo econômico que já foram diretores importantes do
Banco Mundial, que conduziram órgãos importantes na área econômica do
Governo Bill Clinton, do espaço enaltecido e privilegiado da Meca do
capitalismo internacional, que são os Estados Unidos, atribuem ao
receituário do Fundo Monetário Internacional, as crises nos países
periféricos. Imaginem! Personalidades diretamente vinculadas a esses
organismos, personalidades que discursaram, ao longo de suas histórias,
a respeito de consenso - nem consenso é mais, porque já existe dissenso e
consenso 2 -, fazem críticas a essa política e atribuem ao receituário
do Fundo Monetário Internacional crises nos países periféricos, como a
crise na Argentina. Existe verdadeira propaganda triunfalista em relação ao
Fundo Monetário Internacional, às instituições de financiamentos multilaterais.

Sempre houve isso. Agora, o atual Governo, infelizmente, faz a mesma coisa.
É impressionante alardear perante mentes e corações que a possibilidade de
reduzir o superávit em 0,05% - possibilidade, porque o Fundo nem aceitou
ainda. A redução do superávit é alguma coisa? É algo impressionante enaltecer perante a opinião pública que um país pode investir em esgoto. Isso é algo para ser enaltecido? É impressionante!

A Constituição, a chamada Constituição burguesa, estabelece, em seu
Capítulo da Ordem Econômica, no inciso I, que deve ser observado o princípio da
soberania nacional. Portanto, esse é um requisito irrenunciável para o
estabelecimento da política econômica de um país. E por que estamos
dizendo que o acordo é bom? O acordo é bom porque cria a possibilidade de
reduzir o superávit em 0,05%.

Podemos comparar essa situação com a de uma dona-de-casa que guardou
R$100 para que o agiota da esquina soubesse que ela ia pagar o que lhe deve.
Aí o agiota diz: "Oh, dona-de-casa querida, eu te darei uma chance
maravilhosa. Tira 5 centavos dos R$100 e faz alguma coisa com eles". Aí a
dona-de-casa compra um pão? Não compra, porque um pão custa 20 centavos. Então, a dona-de-casa vai à padaria, manda dividir o pão francês em quatro
pedaços para que ela possa levar um.


Do mesmo jeito, é uma grande coisa dizer que vai investir em saneamento
básico? Um país que precisa da autorização para usar o excedente do que
deixou de investir? Porque o superávit não se constrói remexendo em
papéis. Para que ele seja construído, há gente que perde. Ele resulta da
reforma agrária que não foi feita, da política para as cidades, da reforma
urbana que não foi feita, do saneamento que não foi feito, do recurso que não
foi para a segurança pública, do recurso que não foi para a educação ou
para a saúde. É assim que se constrói superávit primário; não é simplesmente
mexendo em papéis. Para construí-lo, tirou-se de alguém. De quem? Dos
Senadores? Não. Dos filhos dos Senadores? Não. Tirou do meu filho? Não.
Tirou do filho da pobreza, porque esse é que foi para a marginalidade
como último refúgio, porque sua família é desempregada. Ele é quem viu a
violência em sua própria casa, porque seu pai, desempregado, ou foi
para a cadeia, ou para o alcoolismo, ou para o narcotráfico, como último
refúgio.

Tirou da família que está embaixo da ponte vendo seus filhos disputarem, no
lixão, o que comer com ratos e urubus. Não tirou de ninguém daqui.
Talvez não tenha tirado nem de quem nos assiste pela TV, mas tirou de alguém
para construir o superávit. E esse superávit foi construído para dar
dinheiro a quem? Aos banqueiros. Esvaziam o prato do pobre para encher a pança dos banqueiros internacionais, daqueles que não pagam imposto, daqueles que
não geram empregos, daqueles que não dinamizam a economia local, daqueles
que não fazem absolutamente nada pelo povo brasileiro. Dizem que se deve
fazer o acordo segundo os humores do mercado, segundo a histeria do mercado, o
piti do mercado, considerando o risco Brasil no mercado, enfim, considerando
essas regrinhas metodológicas que todos sabemos como se constróem.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sei, mais uma vez, que para alguns
isso é considerado absurdo. Significa ser fiel a dogmas petistas, a uma
herança de rancor e sectarismo que o partido sempre adotou. É muito mais
fácil ceder ao pragmatismo, à conveniência, à política do silêncio, da
boquinha calada e da pancinha cheia de cargos, de prestígio e de poder, em
vez de dizer aquilo que temos a obrigação de dizer. E por que o Fundo
Monetário Internacional está diretamente relacionado com a reforma da
previdência? Porque esse foi um dos quatro pontos negociados em 1998.

Quem não leu não tem obrigação de saber. Não há problema algum para quem não
leu os memorandos técnicos, as cartas-compromissos, as cartas de ajuste, para quem não trabalhou, como trabalhamos, para mover até mesmo uma ação pública contra o Governo Fernando Henrique quando S. Exª fez o acordo com o Fundo Monetário Internacional em 1998. E não é o caso de ninguém daqui, porque aqui é tudo cobra criada. É ninho de serpente. Aqui o mais besta não anda; voa. Aqui todo mundo sabe tudo. Alguém pode silenciar por convicção, e não há absolutamente problema em ser neoliberal. Mas o que não é possível é fingir que não o é e defender isso, fazendo de conta que não sabe o que está defendendo.

Quanto a um dos quatro pontos do acordo com o Fundo Monetário Internacional,
em 1998, quem não se lembra da audiência do Sr. Pedro Malan, aqui em
dezembro do ano passado? Quem não se lembra da última carta encaminhada
em novembro? Quem não se lembra da última audiência dos Srs. Armínio Fraga
e Pedro Malan? Fica tudo igual quando se considera Henrique Meirelles e
Antonio Palocci. Em dezembro, já se falavam dos quatro pontos do
acordo, entre os quais estava a reforma da previdência, porque é fundamental
transferir renda. O que estamos discutindo não é nada corporativista e,
mesmo que fosse, seria mentira, já que ninguém está combatendo privilégio
nem incluindo pobre. O que aqui será votado é um faz-de-conta. É atribuir-se
a quem ganha R$300,00, R$400,00, R$500,00 mais oito anos de trabalho
para não haver um corte de 35% na sua aposentadoria. Incutiram na cabeça do
povo que só estamos falando de quem ganha acima de R$2.400,00, o que é uma
farsa intelectual, uma fraude política, porque a partir de R$2.400,00 é outro
debate, é dos fundos de pensão, de aposentadoria complementar. Não tem nada
a ver.

O que estamos dizendo, Senador Ramez Tebet, é que sequer aceitaram a
emenda sobre transição, que apresentei para que pelo menos haja transição, já
que não haver transição é injusto. Os trabalhadores do setor público já
passaram por uma regra de transição com o Governo Fernando Henrique em 1998. Aos trabalhadores do setor privado já foi imposto trabalhar mais dez anos
para não terem um corte de até 45% na sua aposentadoria. Não se permitir,
sequer, que aquele servidor que ganha até o teto do Regime Geral da Previdência, que é de R$2.400,00... Tínhamos que colocar esta "moçada" aqui - e falo de
todos nós - para viver com R$1.000,00. Vamos ver quem é que consegue. Há
pessoas aqui que não vivem nem com salário de Senador, pois ganham muito mais.
Alguém que ganha R$300,00, R$400,00, ser comunicado agora que vai ter
de trabalhar mais sete, oito, nove anos para não ter um corte de até 35%
em sua aposentadoria é uma injustiça inimaginável, Sr. Presidente!

Concedo um aparte ao nobre Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senadora Heloísa Helena, inspirado por Ulysses
Guimarães, ouço a voz rouca das ruas. O Senador Alberto Silva disse-nos:
"Homem se escreve com "H"; mulher, "HH" (com dois agás). Com dois agás
escreve-se Heloísa Helena. Há pouco ouvi o Senador Ney Suassuna, do
PMDB, dizer: "É a nossa Joana D'Arc." Quero afirmar-me entre os ícones dos
médicos-políticos. Não vou analisar, mas nenhum foi maior do que
Juscelino Kubitschek nesses 503 anos de Brasil. S. Exª teve coragem de romper com
o FMI. Caso contrário, estaríamos andando de jumento, de carroça, não teríamos
indústrias. O Nordeste não está atrasado graças à Sudene. S. Exª teve a
coragem de romper, a coragem que V. Exª desperta no PT.


A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) - Agradeço o aparte de V. Exª.
Para encerrar - até porque comprometi-me com o Senador Maguito Vilela
de ser rápida - afirmo que estamos vivendo um momento muito importante para o
Senado. Sei que alguns preferem a reacionária coexistência pacífica do
faz-de-conta; sei que esse debate deve ser considerado inimaginável ou ridículo por
alguns carreiristas obcecados; sei que isso deve ser olhado como absolutamente
ridículo por aqueles que realmente preferem partilhar o banquete farto
do poder; eu sei disso, Sr. Presidente. Mesmo assim, é aquela história:
enquanto eu tiver um único pulso nas minhas veias, vou continuar
falando nesta Casa quantas vezes quiser, até porque a liberdade ofende, eu sei
disso.

Muitos dos que comemoram Zumbi, Dandara, República dos Palmares e a liberdade estariam suspirando aliviados diante do negão morto, se o fato ocorresse hoje, eu sei disso, porque a liberdade e a luta são sempre enaltecidas e aplaudidas quando conjugadas no passado. Quando conjugadas no presente, é diferente, porque muitas vezes isso é motivo para a intolerância, a truculência, a arrogância, que deixaram marcas profundas na história da Esquerda do mundo. A intolerância que marcou profundamente corpos, mentes e corações. A intolerância que ousa expurgar todas as
outras vertentes teóricas que se atrevem a questionar o pensamento único. Isso
não é coisa qualquer, Sr. Presidente, Srs. Senadores.

Enquanto eu estiver neste Senado, até porque o meu mandato não me foi dado
por burocracia partidária nem por uma podre e decadente elite alagoana, mas
pelo povo de Alagoas. Enquanto aqui eu estiver não deixarei que ninguém o
retire. E me sinto absolutamente fiel às concepções programáticas, à
convicção ideológica, à visão de mundo que aprendi no meu partido, o Partido
dos Trabalhadores.


___________________________________________________



A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem
revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, antes de
iniciar meu pronunciamento, agradeço a V. Exª, Senador Eduardo Siqueira
Campos, a gentileza, a delicadeza de me oferecer uma rosa, na manhã de
hoje, na sessão em homenagem às mulheres. Entre tantos que jogam espinhos,
alguém oferece flores.

Passo a ler uma história muito antiga - contada, como sempre, muito bem pelo
grande Eduardo Galliano -, sobre uma menina de sete anos chamada Juana.
Pelo espelho vê entrar a mãe e solta a espada, que cai com o rumor de
um canhão, e dá Juana tamanho pulo que toda a sua cara fica metida debaixo
do chapéu de abas imensas.

- Não estou brincando - zanga ante o riso de sua mãe. Livra-se do chapéu e
aparecem os bigodões de carvão. Mal navegavam as perninhas de Juana nas
enormes botas de couro; tropeça e cai no chão e chuta, humilhada, furiosa; a mãe não pára de rir.

- Não estou brincando! - protesta Juana, com água nos olhos. - Eu sou homem!
Eu irei à universidade, porque sou homem!

A mãe acaricia sua cabeça:

- Minha filha louca, minha bela Juana. Deveria açoitar-te por estas
indecências.

Senta-se ao seu lado e docemente diz: "Mais te valia ter nascido tonta, minha pobre filha sabichona", e a acaricia enquanto Juana empapa de lágrimas a enorme capa do avô.

Sr. Presidente, estou chorando, mas não choramingando. Choro porque mulher é assim e, graças a Deus, não precisa se envergonhar de suas lágrimas, principalmente hoje, quando teremos uma votação muito importante.

Dizem que as lágrimas provocam cicatrizes na alma. Certamente todo esse processo me deixou com muitas cicatrizes na alma. Mas também sei que só tem cicatrizes na alma quem não se acovardou, quem não se ajoelhou covardemente, quem esteve no campo de batalha, quem teve coragem de defender as suas posições.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como a mãe que acariciou a filha e lhe disse que melhor seria ter ela nascido tonta, também para muitos de nós, Senador Romeu Tuma, melhor seria termos nascido demagogos, neoliberais, termos nascido carreiristas obcecados, covardes. Talvez fosse muito mais cômodo.

Hoje, debateremos a reforma da Previdência. Não será esta a primeira oportunidade de alguns membros desta Casa e de alguns militantes da política brasileira, pois já houve outras oportunidades. Mas é importante deixar claro que os direitos dos trabalhadores do setor público, como os direitos dos trabalhadores do setor privado, não foram concessão da elite política e econômica, nem de nenhum parlamentar ou partido. Os direitos dos trabalhadores do setor público, como os dos trabalhadores do setor privado, são reflexo de tanta e tantas lutas, de tantos e tantos combates, de
conquistas, de sonhos.

Mas não é a primeira vez que os trabalhadores do setor público do Brasil vêem seus direitos arrancados. Esta Casa mesmo, em 1998, viu, pois votou, evidentemente
debaixo de protesto, de combate e do voto "não" do Partido dos Trabalhadores, esta Casa votou a reforma da Previdência para os trabalhadores do setor público em 1998, retirando direitos que estavam assegurados. Esta Casa votou, em 1999, a retirada de direitos dos trabalhadores do setor privado com a reforma da previdência do setor
privado, mas com o voto contrário, o voto "não", com a combatividade do
Partido dos Trabalhadores.

Não é à toa, Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, que o Partido dos Trabalhadores impediu a conversa de seus dois Governadores com o Governo Fernando Henrique Cardoso sobre a reforma da Previdência, porque estava arraigado em nossas concepções programáticas, na nossa tradição histórica que queríamos a reforma do aparelho de Estado, parasitado e privatizado a serviço de uma elite política e econômica decadente, irresponsável, cínica e incapaz. Mas, Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, nunca defendemos uma reforma da Previdência que signifique clara transferência de renda do setor público para o setor privado, que significa clara redução dos gastos sociais para encher a pança dos banqueiros internacionais, para continuar vivenciando o superávit, pagando mais de 120 bilhões de juros de
serviço da dívida, para continuar aumentando em mais de 60%, só nesse primeiro
semestre, em relação ao ano passado!

Esse é o debate que está sendo feito.

Devemos acabar com essa conversa fiada, com essa cantilena enfadonha e mentirosa, que vem desde o Governo Fernando Henrique, de que se trata de rombo na Seguridade Social. Ora, Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, muitos desta Casa reivindicavam auditoria para mostrar quais ratazanas de terno e gravata roubaram a Previdência, para mostrar os verdadeiros saqueadores da Previdência, pediam
auditoria para mostrar o faz-de-conta do déficit da Seguridade Social, porque a Desvinculação de Receita da União arranca, só dos cofres da Seguridade Social, R$36 bilhões, arranca, saqueia oficialmente R$36 bilhões dos cofres da Seguridade, mas depois alega que não tem dinheiro, que o Tesouro vai ter que investir.

Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, mais uma vez estamos diante de graves
injustiças. Infelizmente, tentamos muito garantir uma regra de transição, porque esta mudança não se trata de coisa qualquer. Não entendo. Sinceramente, só se houver muito ministério em jogo, muito cargo em jogo, muito balcão de negócio sujo em jogo, porque não consigo entender como alguém defende que a um trabalhador do setor público que ganha R$300,00 ou R$400,00 seja imposto trabalhar mais seis, sete, oito ou nove anos de serviço para não ter um corte de até 35% em sua aposentadoria. Não consigo entender como alguém vota tranqüilo diante da diferença clara que esta
proposta de reforma trará. O filho da pobreza começa a trabalhar mais
cedo, começa a trabalhar com 15 anos de idade. Filho de Senador, com certeza,
não começa a trabalhar com 15 anos de idade. Filho de Senador tem a oportunidade
de entrar na universidade, de se formar, e só entra no mercado de trabalho
com 25 anos de idade. O que está acontecendo? Quem começou a trabalhar
mais cedo vai perder dez anos de contribuição à Previdência e dez anos de
trabalho.

Será que alguém continuará dizendo que isso é justo? Será que alguém
consegue dormir tranqüilo pensando dessa forma? Como alguém pode ser
contra a aposentadoria especial? Como alguém pode impor a um policial
trabalhar mais de 60 anos? Como retirar o direito à aposentadoria de uma
trabalhadora com 25 anos de serviço? Não adianta a justificativa demagógica de que
ela vai trabalhar menos cinco anos, porque ela terá o aumento de sua carga
de trabalho e dos anos trabalhados para não sofrer corte de até 35% em sua
aposentadoria.

Sr. Presidente, alguns são contra a aposentadoria especial, quando tantos
ex-governadores trabalharam quatro anos e tiveram aposentadoria especial! O
Presidente da República tem aposentadoria como anistiado, mas a maioria
dos anistiados ainda não receberam. São tantos os que têm aposentadoria
especial, mas falam contra a aposentadoria especial para o trabalhador
da educação, da saúde, da segurança pública.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não se trata de coisa qualquer. O
pior mesmo é saber onde está a inspiração. Está lá, no acordo com os gigolôs
do Fundo Monetário Internacional. Estão lá os quatro pontos: reforma da Previdência, privatização dos bancos federalizados, lei de falência, autonomia do Banco Central. Estão lá os quatro pontos. E, certamente, alguém virá e dirá: "Mas tem que haver dinheiro para investir em segurança, em educação, em infra-estrutura!"

Quanta demagogia! Quanta mentira!

O problema não é sobrar dinheiro para investir nas áreas sociais e na infra-estrutura. O problema é sobrar dinheiro para continuar transferindo renda para o capital financeiro internacional, para os gigolôs do Fundo Monetário e para os parasitas das instituições de financiamento multilaterais. É isso que está em jogo. É a partilha da riqueza do País. É isso que estamos discutindo.

Infelizmente, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, este é um dos momentos
mais difíceis da minha vida. Não é o momento mais difícil. Já tive momentos muito, muito mais difíceis na minha vida.

E volto a repetir: choro porque dediquei os melhores anos da minha vida ao
Partido dos Trabalhadores e sei que estou defendendo aqui o que aprendi
no Partido dos Trabalhadores. Não estou defendendo algo que aprendi numa
cartilhazinha pessoal; estou aqui falando o que passei quatro anos
falando como Líder do PT, como Líder da Oposição ao Governo Fernando Henrique.
E falava exatamente isto que estou falando. Exatamente isto.

Hoje, infelizmente, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, existe um grande
abismo entre o que éramos, enquanto Parlamentares da Oposição, e o que
estamos fazendo.

Por isso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, apesar de tudo o que
pode significar o meu voto, estou com a consciência tranqüila. Repito para
mim mesma todos os dias uma passagem bíblica: "De que vale a um homem ter
toda a riqueza do mundo a seus pés, se ele perde a sua alma?". E repito também
para mim, todos os dias: "É melhor o coração partido do que a alma vendida".

Estou com a consciência tranqüila. Não me arrependo de nenhum dos passos que
dei. Não me arrependo dos melhores anos da minha vida que dediquei à
construção desse Partido. E muito mais: se alguém resolver retirar de
mim a legenda, não vai arrancar de mim a minha alma libertária, o meu
compromisso com o socialismo, o meu coração. Esses, não arrancarão! Podem até me
tirar uma legenda partidária, mas jamais conseguirão arrancar a minha alma, o
meu coração, as minhas convicções ideológicas, a minha visão de mundo - que
não têm preço!


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"Olhar a realidade de frente; não procurar a linha de menor resistência;
chamar as coisas pelo seu nome; dizer a verdade às massas, por mais amarga
que seja;não temer obstáculos; ser rigoroso nas pequenas coisas como nas
grandes, fundar seu programa na lógica da luta de clases ,ousar quando
chegar a hora: tais são as regras da Quarta Internacional"

Leon Trotsky



fonte:centro de mídia independente

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