domingo, dezembro 14, 2003


Até dona Iolanda serve de exemplo


Marcos Sá Corrêa

09.12.2003

A rigor, nada impede que dona Marisa Letícia embolse os “colares, brincos, anéis e pulseiras de ouro e pedras preciosas”, que ganhou esta semana de presente nos Emirados Árabes. Nada mesmo, como informou a assessoria jurídica do Palácio do Planalto, consultada pelo jornal “O Globo”. Mas não se pode dizer que essas coisas acontecem por falta de experiência da presidência da República em lidar com esses escrúpulos. Na reportagem política, há pelo menos uma história que poderia servir de exemplo a um novo manual palaciano de comportamento em turnês oficiais.

É uma história exemplar. Principalmente por envolver uma primeira-dama pouco exemplar – dona Iolanda, a mulher do marechal Arthur da Costa e Silva, que presidiu o trânsito da ditadura envergonhada para a ditadura escancarada, como se aprende nos livros do jornalista Elio Gaspari. Costa e Silva fora escolhido no grito para suceder ao governo Castello Branco. Mas como, na época, o regime militar ainda gostava de enfeites legalistas, depois de nomeado presidente ele saiu pelo país, brincando de campanha eleitoral antes da posse.

E logo no começo da viagem a comitiva do candidato foi recebida em Cuiabá pelo governador Pedro Pedrossian. Ali no Mato Grosso de 1967, como agora no palácio Al Baha do xeque Zaved bin Sultan Nahyan, o protocolo tinha programas especiais para livrar os dignitários de suas digníssimas senhoras. E dona Iolanda, recepcionada em cerimônia paralela pela primeira-dama do estado, enquanto o marido atendia em outra sala a fila do beija-mão, ganhou discursos, aplausos, brindes e um pequeno embrulho, oferecido como lembrança da visita à sociedade local.

Dentro do pacote havia nada mais, nada menos que um brilhante. Azul e ofuscante, segundo os convidados, que viram dona Iolanda exibir a pedra à comitiva deslumbrada. Ou seja: escandaloso, segundo um repórter que saiu diretamente para cochichar no ouvido do coronel Mário Andreazza, cupincha do marechal e seu futuro ministro dos Transportes. Aquilo não era presente que se levasse para casa. Muito menos em início de campanha. Dali para a frente, cada cidade por onde Costa e Silva passasse, teria que abrir os cofres para superar Cuiabá.

Andreazza, talvez por não ter à mão uma assessoria jurídica como a do Palácio do Planalto, interrompeu uma audiência com os políticos de Mato Grosso para recomendar ao marechal que mandasse devolver o presente. E Costa e Silva, um presidente que passaria à história pela grandiosidade de seus defeitos, na mesma hora convocou dona Iolanda para uma conversa particular. Quem tentou decifrá-lo à distância, pela troca de gestos, saiu com a impressão de que o diálogo foi difícil. Mas o fato é que ela acabou entregando o brilhante, com nova rodada de palmas e exclamações deslumbradas, ao bispo de Cuiabá – talvez porque naquele tempo não se falasse em Fome Zero.

Para quem quiser conferi-la, esta história ocupa as páginas 198 e 199 de “Conversa com a memória”, do jornalista Villas-Bôas Corrêa, que, além de testemunha do caso, modéstia à parte é meu pai.


mandou bem meu amigo : marco antonio abi-ramia.




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