sexta-feira, dezembro 26, 2003

passos leves. curtos. como a respiração. havia que atravessar o quarto sem precisar ser notado. transpor a soleira da porta sem ninguém perceber.

era possível até mesmo parar de respirar. para que o inflar das asas da narina não turvasse a audição. caso alguém se movesse na cama escutaria e congelaria todos os gestos.

roupa levava só a do corpo. não desejava vínculos. bastava os odores conhecidos impregnando ainda o olfato que desejava ser ardido por ar. novo oxigênio.

lembrou já na sala de passar a mão nos cabelos. que não parecesse desmazelado quando ganhasse a rua. e estava ali o poste na calçada. com a luz amarela botando sombra na madrugada imatura.

trocou os chinelos por um sapato e deixou-os lado a lado, comportados, na beira de um canteiro de onze hora. foi quando ela chegou na janela. os cabelos brancos em desalinho a camisola deixando ver os seios caídos com desenhos de veias azuis. ou ele viu, ou sua lembrança era sua visão, sentiu medo de constatar.

“o lenço, você esqueceu de pegar” ela disse. não havia como fingir que não ouvira. voltou. esticou a mão que sorria ao pegar o lenço . ele não. estava sério, compenetrado em sua fuga. a mão, esta desavergonhada, era toda dentes.

“a que horas vai voltar?” ela perguntou. “a de sempre, mulher”. ah! você estava dormindo quando o arthur telefonou.” hoje eles vêm .está confirmado”. “ tá. mas só poquer aberto. “ “vá embora que o ônibus vem aí. de noite vocês resolvem”.

ah! ainda corria bem. desabalou atrás do ônibus. bateu na porta fechada, pendurado nos pingentes. a porta abriu e o cheiro de metal fez com que percebesse que mais um dia estava continuado.



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