domingo, janeiro 25, 2004


condomínio rural vale das colinas, caxambu, minas gerais

hoje deveria estar agradecendo aos amigos que enriquecem meu mundo com suas histórias de vida, e que aceitam doar seu tempo a uma talvez visionária senhora que acredita poder contar um pouco da nossa história, enquanto pátria, sem recorrer aos atos oficiais: o cotidiano, o dia a dia, as alegrias e aflições narradas
pelo próprio vivente que as viveu.

hoje deveria estar postando um artigo que rodrigo silva e souza fez sobre cinema, a meu pedido, e que está muito bom; deveria também mostrar um poema bonito de stefan archer, jovem poeta;

hoje, como nos demais dias, apesar dos desmandos do poder brasileiro que mete a mão no meu bolso com a maior cara de pau para fazer galinheiros de ouro na casa do povo, e comprar avião para poder viajar com mais conforto, avião meu, teu, seu, nosso, vosso, onde nunca poderemos entrar, mas que foi comprado , repito, com meu, teu, seu, nosso vosso suor, (artigo enviado pela li) eu deveria estar com o humor intacto. apesar de tudo.

mas não estou.

eu moro no condomínio rural vale das colinas , em caxambu, minas gerais. o condomínio é constituído por chácaras. diz a convenção que nestas chácaras a pessoa pode criar cachorro, vaca, cavalo. menos porco.

eu o comprei , e comprei terra grande, mais de uma chácara, (uma já vendi pois o condomínio é cobrado por metro quadrado de terra, não de área construída. pasmem: de terra! e oferece apenas o serviço de portaria. ou seja uma cancela comprada à revelia dos condôminos, que fere a estética de sua característica rural, da qual nós temos o controle remoto, e quatro porteiros que se revezam. mais nada)

bem. ontem foi reunião extraordinária de condomínio. alguns que dizem "isto aqui é um lugar de primeiro mundo",! é um que trabalhava como fiscal no rio de janeiro, outro dentista, de família tradicional na cidade, e mais um, também da cidade, secretário de obras do prefeito atual, querem por que querem colocar luz na rua. que seja! acabam com as estrelas e vagalumes! objetivo de um condomínio que se diz rural, ouvir estrelas, ver vagalumes e ter a noite como coberta.

para isto deviam ter construído suas casas na cidade. não sei por que cargas d'água vieram pra cá. o fiscal não quer ouvir vaca mugindo ou galo cantando, incomoda. o dentista construiu um tijolo de três andares, feio, pesado, numa área rural (a convenção proíbe três andares. e nem tem sentido. há muita terra. e o secretário de obras é o secretário de obras da prefeitura, oras....

no final da reunião, o dentista que é síndico há dois meses solicita delicadamente: vou pedir para que seu portão esteja sempre fechado pois quando vou correr por lá às seis da manhã seus cachorros tentam me perseguir.

legal! ele invade minha casa numa boa, diz como devo cuidar dela e está falando delicadamente. eu retruco: mentira. você está mentindo. meus cachorros. estes cachorrões temíveis são dois foxes paulistinhas, que não saem de dentro de casa, que bom para eles, é grande. e não saem, a não ser que estejam acompanhados por alguém, porque têm medo. como eu tenho medo de andar no condomínio rural vale das colinas, onde pessoas enchem a boca e dizem “isto é primeiro mundo” sem saber o que é a droga deste tal primeiro mundo. já que vivem no terceiro , caindo para quarto mundo.

e tenho medo porque eu tinha nove cachorros. sobraram quatro. os cinco foram envenenados. aqui no meu portão que vivia fechado, a área toda telada e com cerca viva, foram envenenados e morreram sofrendo muito. e eu sinto até hoje a falta deles e, como sempre há um especial, choro por clarice lispector e por gh que era sua filha. duas poodles lindas. sendo que clarice, quando eu chagava da rua, arreganhava um sorriso de orelha a orelha.

clarice não aceitava entrar sem ver o pôr do sol. mesmo que estivesse chovendo. então eu abria a janela da sala, colocava duas cadeiras, as janelas ficam distantes do chão uns 70 cms , e nós duas sentadas esperávamos o sol encoberto por nuvens se deitar para a lua nascer.

hoje eu não acompanho mais o pôr do sol. eu morro de saudades de clarice! que foi envenenada. eu tenho todos os exames toxicológicos, todos os laudos periciais. todos foram envenenados no meu portão , num local onde moram pessoas que se dizem do primeiro mundo. então hoje de manhã liguei para o dentista e avisei: estou tomando isto não como pedido, mas como ameaça e vou registrar queixa da delegacia.

é o mínimo que posso fazer. e quando sair de casa, eu saio muito pouco, talvez umas três ou quatro vezes por mês, levar juntos orlando de zorra, os dois paulistinhas que aterrorizam o mundo. para evitar que sejam envenenados também.

telefonei para a veterinária deles, amiga de muitos anos, que viu todos crescer, a acompanhou a agonia deles sofrendo também, para ver se havia uma sociedade protetora dos animais que nos protegesse a todos. não existe por aqui.

eu choro enquanto escrevo isto. choro muito. porque meus animais me ajudaram a perdoar os seres humanos. me ajudam a entender a mim e a aceitar a herança de ser uma predadora. já basta eu me punir todos os dias ao ver a setter morgana correndo presa a um fio de arame, tendo um terreno enorme para brincar, porque ela pode pegar o portão aberto e ir para a rua. há sempre um empregado que esquece de fechar...

moro há mais de 500 metros do próximo vizinho. tanto que minha casa foi arrombada em pleno dia, entre 10 horas e uma da tarde, hora em que cheguei , foi saqueada e ninguém sabe, ninguém viu! meu cavalo, eu tive que me desfazer dele para parar de me aborrecer tanto com o antigo síndico.

ao olhar do alto não se vê uma alma viva nas ruas do condomínio. é um deserto, de vida, de pulsação. fiz da minha chácara, da minha casa, meu paraíso. lógico que me sinto imprensada por eles. não é à toa que nem dirijo mais! e ele, nós, moradores, somos apenas dez neste condomínio de 94 chácaras.

apenas dez pessoas dividem este espaço imenso, que vocês podem ver acima. onde foi cancelado o sorriso, a alegria, o bulir das crianças, o cantar do galo, o mugir da vaca, o ladrar dos cachorros e até a brisa que quando vem do norte passa pela portaria de mansinho e só brinca de vento quando chega cá em casa.

hoje é dia de chorar e temer. pelo orlando que casou com virginia woolf que morreu envenenada. e com a qual teve filhos. uma delas a zorra. pois casamento de autor com sua obra só poderia acabar numa tremenda zona. ela me olha e sente meu medo. e quero que sinta. para nunca. nunca, sair de perto de mim. e ser envenenada.


o mais próximo vizinho



o tanto grave de tudo: não havia córum para votar nada. menos de uma dezena de pessoas estavam presentes. para fazer número para justificar a votação eles farão os ausentes assinarem presença . a proposta foi encaminhada pelo secretário de obras que faz parte do conselho fiscal. uma ilegalidade só, da qual só agora me dou conta.



Um comentário:

Marcia disse...

Olá, Ester!
Encontrei o teu blog pesquisando sobre o Vale ds Colins em Caxambú.
Você ainda mora lá? Tem notícias se vale a pena ter casa lá? Estou pesquisando alguma coisa para ir pra Caxambú, por isto te pergunto pois gostario. Abraços, Marcoa Pereira