quarta-feira, janeiro 14, 2004



“sou um tupi tangendo um alaúde!”


mário de andrade*


o turista aprendiz/ (viagens pelo amazonas até o /peru, pelo madeira até a bolívia/ por marajó até dizer chega) 1927.


crônicas de viagem de mario de andrade, pelo norte do brasil, em busca da brasilidade, do qual transcrevo um trecho.

estava ouvindo o cd “o cineasta da selva”, produzido em homenagem ao cineasta silvino santos, de origem portuguesa que em 1913 realiza seu primeiro documentário de longa metragem, filmando a amazonas do início do século passado e lembrei da instalação da fotógrafa maureen bisillliat, na décima oitava bienal de são paulo, em 1985.

caito marcondes e teco cardoso com marlui miranda e eugênia melo e castro seguiram a trilha das imagens para dar cores aos sons. esta foi a primeira mixagem de um cd brasileiro em dolby surround.

em 1985 a fotógrafa sheila maureen bisilliat (englefieldgreen, surrey, inglaterra 1931) mereceu uma sala especial na 18ª bienal internacional de são paulo onde apresentou
um ensaio fotográfico inspirado no livro o turista aprendiz, de mário de andrade.

"maureen bisilliat em 1985 - realiza o filme "o turista aprendiz", co-autoria de lúcio kodato, seguindo o roteiro de viagem de mário de andrade "de belém a manaus, do madeira a porto velho, por marajó até dizer chega", produzido pela tvc. apresentado na bienal internacional de são paulo (1985) e no salon de la photo (paris) (1987)."

felizmente eu vi a instalação da maureen. o sérvio túlio estava junto.

“18 de julho- os índios do-mil-sol. a lenda do aparecimento do homem. então os índios me levaram ver a tal embaúva colosso. era realmente um prodígio. no meio da serrapilheira densa bem mais alta que a altura de um homem, os troncos colossais daquela floresta verdadeiramente virgem se lançavam pro alto com fúria, troncos que sete pessoas de mãos dadas mal conseguiam cercar pela metade. pois tudo isso era minúsculo, a serrapilheira era grama, os troncos eram roseiras, ao lado da embaúva gigante. medi a altura dela. tem pra mais de setecentos metros. então os índios me contaram que foi na copa imensa dessa embaúva que se deu a famosa briga entre guaribas e preguiças, ninguém nunca soube porque. o caso é que um dia o pessoal se engalfinhou lá em cima num chinfrim fabuloso, e teve tantas mortes como as folhas da embaúva. era um chão novo, que toma léguas, montes e montãos de cadáveres se abraçando na paz forçada da morte. me causou estranheza ter havido uma guerra, coisa de tanta atividade, em que os preguiças entrassem, mas os do-mi_sol se riram. a verdade é que corre muito exagero da preguiça dos preguiças, é calúnia. existem até preguiças apressadíssimos. o que dá-se realmente entre esses animais sagrados é um conhecimento muito mais íntimo da vida e da relatividade da afobação...... apenas tinham adquirido aquele andar da sabedoria em que o pensamento reconhece que o que faz a felicidade não é o gozo dos prazeres do mundo, porém a consciência plena e integral do movimento.
e é por basear toda a vida no principio essencial da consciência do movimento que os preguiças são tão felizes, vivem sempre muito bem dispostos e na tal guerra com os guaribas, receberam a palma da vitória. então, dividiram o mundo. obrigaram os guaribas a ficar em terra, ao passo que eles, preguiças , ficavam nos ramos da embaúva. os índios do-mi-sol se dizem descendentes dos preguiças; ao passo que os guaribas, obrigados a andar em terra foram se transformando nos outros índios e em mim.” mario de andrade.


* poeta mário de andrade, do modernismo, da paulicéia desvairada.não é parente de carlos drumond de andrade.

duas fotos da maureen, refazendo os caminhos de joão quimarães rosa.


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