a geladeira do manduca
o manduca de resevet me remeteu a outro manduca. marido de dona maria carneiro, dona do colégio menino jesus que ficava em santa rosa, mario viana, niterói, estado do rio. este seu manduca usava uma roupa parecida com a do pafúncio, da marocas, personagem das tirinhas de jornais.
dona maria carneiro era baixinha, menos de metro e meio. e seu manduca um homem, alto, quando falava era uma trovão , como se deus, novamente, enviasse recados para seu povo. a escola distava duas casas de onde morava minha avó. eu era mais do que criança, menos que adolescente. apreciava os suspensórios de seu manduca. ele os usava sobre uma blusa de malha da qual retirava as mangas.
também um colete.sempre aberto. e polainas. num tempo em que elas não eram mais usadas. ou seu manduca estava com elas ou de tamanco. o vozeirão assuntando as crianças da escola. na rua todos sabíamos que ele era perigoso, um pouco louco, dava trabalho para dona maria controlar seu gênio em fúria.
seu grande orgulho, num tempo em que possuir geladeira era um luxo para poucos, creio que trabalhava com querosene queimando num recipiente e enegrecia as paredes e o teto. fazia barras de gelo . quatro portas. duas em cima.duas em baixo. e o cheiro desagradável do querosene queimando. a negra fumaça provocando tosse. a geladeira era bonita. de madeira vermelha envernizada .
era chegar por lá , mesmo que já conhecesse a geladeira era apresentado a ela de novo . nós crianças não, os adultos.mas talvez tenhamos sido nós, as crianças que percebemos a tristeza de seu manduca. a geladeira havia parado de funcionar.e ninguém sabia mexer com aquilo.
um dia , todo vestido de gala; colete, suspensórios e polainas, com um machado na mão, um machado enorme, seu manduca repicou a geladeira. dona maria chamou o pronto socorro . os médicos já conheciam seu manduca. deram injeção nele e o deixaram dormindo.
desta vez nunca mais seu manduca levantou da cama. era uma luta para tomar banho. outra para comer. e dona maria baixinha, elétrica, dirigia o colégio, dava aulas, tomava conta da casa, pariu oito filhos e agora tinha de cuidar de seu manduca como se fosse bebê e definhando, sonhando com a geladeira e as grossas barras de gelo que ela criva assim do nada, de um pouco de água, quem iria entender este mistério? , seu manduca foi morrendo . e morreu. sua recomendação final foi para que não esquecessem de desligar a geladeira de noite.
como o pafúncio da marocas ele sofria de gota e adorava comer repolho. não saía para jogar ou encontrar amigos. antes da geladeira não sei o que fazia. mas quando a possuía passava horas olhando-a. gabava suas maçanetas, parecidas com a de antigos carros e as dobradiças de latão amarelo. ou quem sabe elas eram mesmo de cobre. foram os dois únicos manducas que conheci. o da dona maria carneiro e o da rua reservet.
Nenhum comentário:
Postar um comentário