domingo, fevereiro 22, 2004

caé cum boa

sabe estas conversas que acontecem nos dias de chuvas? estes dias assim. quando chove o dia inteiro. sabe? pois é. aí a senhora disse assim : sabe a rua de paralelepípedos que vai em direção às duas águas? a rua do caminho pra itaúna. a rosevelt?
a outra responde: não tem nenhuma rua chamada assim na cidade. fui nascida e criada aqui.

eu amoçava e ouvia. a conversa correndo e ninguém localizando a rua. já sei, falou a outra, a resevet?
pois é. esta mesma. respondeu a uma. sabe as casinhas todas iguais? pois é. lá mora o manduca. nós estamos fazendo uma colheita de dinheiro para comprar um guarda roupa para ele?

o manduca já tem guarda-roupa. replica a outra. insiste a uma: mas tá molhado. cheio de goteira. vai dar pouco pra cada um.
a colaboração conseguida, uma vai embora. a outra explica. a casa do manduca é própria. a família morreu toda. tem vinte anos que ele mora dentro do guarda-roupa. e o armário fica na varanda. pega chuva, respingo. o pessoal queria proteger com plástico. ele não deixou. agora dá nisto. comprar um novo.

saí do restaurante em busca da casa do manduca na resevet. está lá na varanda o armário com cadeira dentro, um colchonete,. só não tem cozinha. tem televisão e tem um penico. ali mora e dorme o manduca. há vinte anos. quando quer tomar café bate na casa que escolhe ao acaso e pede. "tem café? não tem? cua, café com boa, boa. cua que espeo.

e a cidade convive com manduca coando café e tendo sempre broas de milho à mão para ele. porque outra coisa não come. nada de comida de sal. só caé cum boa.
e a chuva chove comprida, insistente. o manduca liga a tv dentro do guarda roupa, barriga cheia e deitado no colchonete,- você percebe no rosto dele,- ingressa no paraíso.

Nenhum comentário: