quarta-feira, fevereiro 04, 2004

um céu para hilda hilst







não posso calar. por isto interrompo a entrevista com claudia telles que continua amanhã. ninguém pode. precisamos fazer com nossas vozes muito barulho. porque o mundo ficou mais mudo. morreu uma poeta. que poucas vezes foi levada à sério. chamavam-na maldita, pornográfica, alucinada porque gravava vozes do além.

hilda. logo quem! hilda hilst, que algumas vezes se rebelou por não encontrar editora para seus livros, e se fez estranha.

é preciso pertencer às panelinhas, fazer parte de grupos, cantar no coro dos contentes para perfilar com a chamada elite de escritores brasileiros.

não recebem prêmios, comendas, honrarias, escritores como hilda hilst. são trabalhadores/as braçais das letras. para estes escritores, como hilda, que neste momento tinha seus livros relançados pela editora globo, o tempo determinará o lugar que ocupava na história da literatura mundial.

hoje morremos mais um pouco. nós, que supomos estar vivos.



o escritor e seus múltiplos vem vos dizer adeus.
tentou na palavra o extremo-tudo
e esboçou-se santo, prostituto e corifeu. a infância
foi velada: obscura na teia da poesia e da loucura.
a juventude apenas uma lauda de lascívia, de frêmito
tempo-nada na página.
depois, transgressor metalescente de percursos
colou-se à compaixão, abismos e à sua própria sombra.
poupem-no o desperdício de explicar o ato de brincar.
a dádiva de antes (a obra) excedeu-se no luxo.
o caderno rosa é apenas resíduo de um "potlatch".
e hoje, repetindo bataille:
"sinto-me livre para fracassar".


hilda hilst



para poder morrer
guardo insultos e agulhas
entre as sedas do luto.
para poder morrer
desarmo as armadilhas
me estendo entre as paredes
derruídas
para poder morrer
visto as cambraias
e apascento os olhos
para novas vidas
para poder morrer apetecida
me cubro de promessas
da memória.
porque assim é preciso
para que tu vivas.


hilda hilst

"o brasil não fala em hilda hilst. por que, eu nunca vou entender. eu soube dela por amigos que, aliás vou passar o resto da vida agradecendo por terem me falado sobre ela, por terem atiçado minha curiosidade a respeito da maior escritora do brasil."

hilda hilst por: andréa machado http://www.internewwws.eti.br/2000/mt001216.shtml


hilda hilst

fosse mais bonita
mas a vida passa
silente sobre nós
sem dar um pio

nos encontrando sós
a mesma ardida brasa
que se abraça à vida
e de repente, estio

vivendo à fundo
amores rasos e fendidos
feridos na voz que hoje reverso
de verso júbilo merecido

arrosta altivez
a face esbelta
tropel de rugas
nesta fotografia

tão bonita e hoje bela
bebe vinho fuma o vício
bronzeia o arder
de tão ousada pele

na memória de outros corpos
e de vozes apreendidas

assim a vida hilda

veja hilst. a cinza,
paráfrase da fogueira
de uma estrela que veste asa
estórias de espaço, haja tempo...

por isto não há sala
para tanto verso.
a lareira apagada às suas costas
quem diria? não é metáfora...


esther lucio bittencourt






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