sábado, março 13, 2004


estou de mal com o pato


indo para o céu de paris

toda sexta feira, fal, a moça do drops, publica crônica no no suplemento da mulher, do jornal meio norte . esta, de uma beleza incrível , me remeteu ao lucio cardoso de crônica da casa assassinada.



"Na foto do porta-retratos, aí, na prateleira tá vendo? É sim; todos daí já morreram.
Este gorducho louro, de olhos azuis foi substituído, dizem, por um ciclista magrelo.

Esta menina linda me amava, sabia? Morta também. Sua alma foi morar em Coimbra, e até onde se sabe, a tal alma me odeia.

Este aqui morreu praticando jogging numa avenida da cidade. Foi tolhido por um ônibus na flor da idade, a mãe dele nunca se recuperou.

Este aqui era gago, chato e bom para mim. Daí ele se tornou mau, foi embora, e, de vez em quando, assombra meus pesadelos e arrasta correntes nas minhas cicatrizes.

Esta aqui, uns dizem que morreu, outros dizem que não. Seus olhos de morta-viva sempre me dão arrepios, mas eu gosto dela, é como ter um zumbi particular.

Este, era o mais querido de todos nós. Tá vendo a cara, o sorriso? Um doce. Ele se suicidou numa clínica para doentes mentais, dia mais triste das nossas vidas. Às vezes penso que o mundo não estava preparado para ele. E ele sabia disso.

Aquele ali, no canto, era nosso cineasta. Quando morreu, um dentista gordo e feliz tomou seu lugar. É o fantasma mais agradável que eu conheço.

Este moço alto, de lindas mãos, nariz ligeiramente torto e sorriso luminoso, foi o que eu mais amei. Suicídio. Quantos suicídios, pois não? Seu fantasma volumoso, cabeludo, infeliz, agora uiva conceitos vazios quer a lua esteja cheia ou não e transmite o legado de sua maldição para as gerações futuras.

Este era um palhaço adorável, inquieto, rápido no gatilho. Morreu, claro, mas só um pouquinho. O essencial permanece. Ele pisca para mim em meus sonhos, com seus olhos castanhos. Real, assustadoramente real.

E esta menina de azul, sentada no chão? Linda, gordinha, olhos caídos. De muitas formas, a melhor dentre eles todos. Mas a pior também. A que mais ria, a que mais chorava. A mais leal, a primeira a trair. Ela amava demais, ela odiava demais. Ela não sabia nada, mas tinha todas as respostas. A mais safa, a mais tola. Grupo estranho esse, onde uma medrosa tomava todas as decisões. Ela durou pouco, muito pouco, não deixou marcas, nem deixou saudades em ninguém além de mim. Foi a primeira a morrer.
Também eu tenho sangue nas mãos."

FAL AZEVEDO

já havia lido no palavras tortas da li stoducto esta faca amolada. não foi à toa que ontem manchei de sangue meu teclado. fez uma poça que escorria e pingava por minhas pernas. mas como consegui cortar uma lasca do dedo sem sair do micro santo deus?!!!?
descobri depois que foi numa folha de papel. e meu sangue corre exagerado porque tomo somalgin cardio.



Suicídio ou porre

(eliane stoducto)

A manhã tinha sido particularmente difícil e, agora, eu estava ali, sentada num banco do Largo do Machado, pensando no que iria fazer de minha vida. Só havia uma perspectiva possível sobre o que fazer no momento - ir para casa ver televisão ...

Os pêlos se eriçaram e um calafrio me percorreu a coluna diante desta possibilidade... Meu cérebro começou a contorcer-se à procura de alternativas mais agradáveis. De todas as idéias executáveis no momento, só restaram duas que possuíam algum atrativo: suicídio imediato ou andar dois quarteirões, até o Café e Bar Lamas, e tomar um porre descomunal.

O suicídio apresentava certas vantagens, pois eu sabia, que no dia seguinte, não iria ter que me defrontar com o assustador incômodo de uma horrenda ressaca... O Tonopan e o Ormigrein tinham acabado... Valium, depois que mandara meu analista à merda, nem pensar... Suicídio ou porre? Porre ou suicídio? O que fazer?

Subitamente, sons de buzinas enlouquecidas, me arrancaram das profundezas do debate interno. Olhei a minha volta. Eram 18,30 hs e o congestionamento da Rua das Laranjeiras já atingira o Largo. Dois garotos andrajosos e despossuídos, que as pessoas politicamente incorretas denominam de pivetes, arrancaram a bolsa de uma senhora e saíram correndo debaixo de gritos de "- Pega ladrão!".

Um outro despossuído e sem-teto, isto é, um mendigo, deitado num canteiro, grunhiu algo e escarrou próximo a mim. Senti algumas gotículas daquela excreção insalubre respingarem no meu pé, mas continuei imóvel, olhando fixamente para o lado oposto, como se estivesse muito preocupada com outra coisa que não fossem aqueles nojentos respingos de escarro no meu pé e, dramaticamente, decidi: SUICÍDIO! NOW!

Levantei-me e lancei um olhar em torno para ver, se entre centenas de camelôs, encontrava algum que vendesse algo que me ajudasse a levar a cabo minha inexorável decisão. Precisava de lâminas de barbear! Não as tinha em casa pois, há dois anos, tinha resolvido aderir à nova tendência da moda natural e deixara crescer livremente todos os pêlos do corpo. As axilas inclusive, o que me valera algumas gozações de amigos mais caretas, que passaram a me chamar de Baby, mas isso já é outra história. Minha urgência, no momento, era conseguir adquirir as tão preciosas lâminas para poder concretizar minha inabalável decisão.

Pesquisando com o olhar entre a centena de ambulantes, finalmente avistei um, que vendia as tais lâminas. Aproximei-me e pedi um pacotinho e, ao pegá-lo, - decepção! - descobri tratar-se de lâminas duplas, G2.
-Não tem gilete azul? perguntei ao ambulante, que me olhou como se eu fosse um ET.
-Essas lâminas são ótimas, moça! Uma faz tchan, outra faz tchun!
-Você não tem lâminas inglesas?
Ele me olhou estranhamente e eu apressei-me em pagar e sair rapidamente dali, guardando o inútil pacotinho na bolsa. Olhei em torno desesperançada. O tráfego tinha piorado e o som das buzinas misturava-se ao dos arrancos dos ônibus do ponto final. O ar estava irrespirável com a fumaça dos veículos... Nisto, senti atrás de mim, um leve toque no ombro.
-Pronto! - pensei, desolada - o mendigo ...
Fui virando lentamente o rosto por cima do ombro, imaginando o que me aguardaria agora....
-Zuca! - quase gritei, entre surpresa, aliviada e encantada.
Zuca tinha sido meu quase namorado na época da faculdade e, desde que voltara do exílio, não voltara a vê-lo.
- Que prazeeeeeeeeeeer! exclamamos mutuamente.
Abraços efusivos e calorosos, beijos de "bico" e decisão de comprarmos umas "cervas" no boteco mais próximo e irmos até lá em casa para botar o papo, com 8 anos de atraso, em dia.

As lâminas foram utilíssimas! Usadas para uma depilação completa, no cheiroso banho de espuma que tomei, enquanto Zuca botava as cervejas no congelador, escolhia uns discos, olhava o Parque Guinle e o topo do Palácio das Laranjeiras e se familiarizava com o terraço da minha pequena cobertura...

-------

Publicado na CRÔNICA DO DIA , em 30.outubro.1998






Nenhum comentário: