mão dadas
não serei o poeta de um mundo caduco.
também não cantarei o mundo futuro.
estou preso à vida e olho meus companheiros.
estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
entre eles, considero a enorme realidade.
o presente é tão grande, não nos afastemos.
não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
o tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente
este poema lembra t.s.elliot em os quatro quartetos.
burnt norton
o tempo presente e o tempo passado
estão ambos talvez presentes no tempo futuro
e o tempo futuro contido no tempo passado.
se todo tempo é eternamente presente
todo tempo é irredimível.
o que poderia ter sido é uma abstração
que permanece, perpétua possibilidade,
num mundo apenas da especulação.
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e por aí iríamos. seguindo o caminho das lembraças chego em marly de oliveira:
chega-se assim ao nada.
chega-se assim ao tudo,
se à terra seca se junta
além do amor o adubo,
além do adubo a esperança,
não daquele que combate
apenas, mas do que planta.
e poderia percorrer joão cabral, willian blake etc etc etc
mas comecei a lembrar porque, arrumando papéis, encontro perdido da pasta de correspondências um bilhete de drumond para mim.
"rio, 10 de maio de 1976
esther lucio bittencourt:
o irascível (mas nem tanto) e casmurro (lá isso é verdade) não entrevistado de tempos antigos abre um sorriso de simpatia, e o coração também, para agrdecer lo "no país das palavras onde moram os homens mudos". contos palpitantes de vida: o que dá título ao livro basta para recomendar à autora à nossa admiração.
cordialmente, carlos drumond de andrade"
letras agudas, góticas catedrais, num cartão envolto por papel de seda. um tempo de pessoas delicadas.
drumond foi a entrevista que não fiz. passava os dias a seu lado no antigo ministério da educação no rio de janeiro, sentada à seu lado, no canto que hoje chamariam de baia. ele mudo, eu calada. exaurira as tentativas e perguntas. escrevi sobre os dias passados a seu lado e as palavras que, em on, não trocamos. na saída do prédio um pulo na livraria leonardo da vinci, a livraria da vana. pena ter perdido a matéria.
seguro o cartão, dentre tantas outras cartas trocadas, e sem querer deixo cair sobre ele um resto do tinteiro com tinta verde. interessante as marcas. arrumar tintas e papéis dá nisto, para quem é desastrada.
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