domingo, fevereiro 27, 2005

eu fui presa, odeio, odeio. odeio isto





era 1968. acabávamos de chegar ao hotel brasil vindos da redação de autro rodas onde ficou acertada uma viagem pela américa do sul, central e do norte num aerowilys.

ao meter a chave na fechadura da porta do quarto, pensando num banho e em descansar, o dia fora agitado, dois indivíduos me cercam e exigem que eu os acompanhe. digo que não acompanharei desconhecidos. um deles me levanta pelos ombros me sacode e pergunta: quer ir por bem ou por mal? respondo que por bem. já levava a primeira bofetada.

desco as escadas, o hotel cheio na portaria olhando para a delinqüente. passamos a noite num fusca andando por onde não sei. no banco de trás estavam mais duas pessoas que nos acompanhavam nesta peregrinação em busca de um lugar êrmo onde poderiam jogar meu cadáver. era isto que me diziam.

nem pensava. não há como. há uma entrega lassa ao destino. como lutar contra quatro homens enormes que me apertavam dentro de um fusca com armas na mão e descrevendo como eu seria morta. pelo menos que não fosse estuprada!

o dia amanhece. estamos na cidade de são paulo de onde saímos no início da tarde. me empurram para dentro do que me parece uma casa antiga. nem caminho , vôo . um outro me aguarda já lá dentro e me levanta novamante perguntando: como foi a escola de samba.

lembro da resposta idiota. mas eu estava idiotizada: escola de samba é no rio moço. mais um tapa e sou jogada no chão. aí os dias passam, sem comer, sem dormir sendo interrogada. e mais pancada.

lembro, lembro disto. hoje até falo sobre isto. e procuro informações, eu li quando saí do doi-codi em jornais que eu havia desaparecido. e que o rotary club de são paulo estava em vigília até que recebessem notícias minhas. não me perguntem porque o rotary clube. não sei. li num jornal na banca.

estava com ordem de deixar são paulo até às 18 horas. mas nem dinheiro eu possuía. ficaram com tudo meu. andei até o rotary e lembro, como lembro, eu suja, fedida, com fome, eles me pegaram e levantaram , lavaram alimentaram e pagaram para que eu saísse de são paulo.

preciso encontrar tudo isto. sei que os jornais noticiaram. para processar o governo. eu o irei processar por tudo o que perdi, inclusive a memória. há brancos , lacunas que não consigo preencher. alguns amigos me contaram as coisas desta época de esquecimento. quando as repito é porque me contaram.

preciso encontrar estas notícias de jornal. preciso encontrar algum registro de minha prisão. e reviver toda esta tortura, mas desta vez com uma raiva tão intensa que daria para lutar e vencer meus algozes. procuro, que raiva, procuro.

nesta época usava o nome de casada: esther lucio bittencourt de lyra.se algum dos amigos tiver acesso aos jornais de são paulo de 1968, abril, poderia me dizer como acesso o dito pela internet. agradeço.

Nenhum comentário: