quarta-feira, março 23, 2005



vinícius de moraes e noel rosa cantam caxambu



ficou a lembraça; um pouco de colonial, um ponto barrôco, as marcas, os burburinhos antigos. e de saudades a cidade vive. de tomaras, quem sabe,será? talvez...

esta semana eu me maltratei dizendo mal da cidade que escolhi para morar. tudo verdade e há muito mais. mas agora é hora do afago, dos beijos, de confessar meu amor plantado junto com os pêssegos de meu pomar.

sei que com as rugas da história bordadas em água definha lentamente caxambu imersa em platonismo. nutrea-a lembranças do passado. caxambu alimenta-se de seu tempo imperial o momento em que gloriosamente a princesa isabel conseguiu emprenhar ao tomar de suas águas.



quando vinícius de moraes esteve aqui num fim de semana deixou esta crônica gostosa falando de figos, os figos que crescem nos quintais das casa, vendidos na quintanda verdes para o doce.

durante um carnaval em que aqui estve noel rosa fez para a cidade uma música.


Caxambu Les Eaux



Depois de uma temporada como a que tive no Zum-Zum, nada melhor que esta moleza, este vago tédio em que me encontro, específicos de uma estação de águas. Cheguei, além do mais, asilando uma gripe que se não é a "russa", anda por perto. Estou derreado. Servem-me as águas a domicílio, numa garrafa vestida de uma linda fantasia de palhinha, um negócio para o baile do Municipal: eu, astênico, vagotônico, no fundo feliz de me sentir de novo disponível. Cai-me bem, de quando em quando, uma doença. É, não só, de certo modo, um treino para a morte, como um grande pretexto para a meditação. O tempo, que se faz tão rápido nesta minha quadra da existência, como que se relaxa. Fica tudo mais sensível, mais acústico. Esse binômio "gripe e estação de águas" é muita felicidade junta. Sinto que me recuperarei de modo total, e com muita sabedoria.
E uma certa tristeza.


*

Tenho figos no quarto. Se acordo de madrugada e sinto fome, como um figo. Ou chupo, em solo mineiro, uvas paulistas, tal um herói de Kazantzakis. E antes de voltar à cama, e aos braços de mme. de Rênal, com quem na pele de Julien Sorel, traio a minha bem-amada, ainda respiro à janela o ar das Alterosas. Em que país, fosse mesmo escandinavo, poderia eu ver três senhorazinhas encantadas passarem pela rua, às duas da manhã, tremulando valsas em bandolins afinadíssimos? Em que ficção, fosse mesmo japonesa, poderia eu ler uma cena destas? Ó prosadores destas Minas que sois amigos meus: por que me ocultastes isto tanto tempo?

*

Hoje fui ao parque: melhor dizer Parque, assim com maiúscula. Passeei minha convalescença por entre outras senhorazinhas encantadas, mas desta vez encantadas de serem aquáticas, de estarem trafegando assim por entre a flora bem-comportada do jardim, parando para beber as águas e fazer uma fofoca rápida; senhorazinhas, algumas, ainda esperançosas, justiça lhes seja feita, a julgar pelas calças compridas que portam, mais justas que as da Mariazinha do Posto 5.
Bravo, senhoras minhas! Nada de entregar os pontos. Bebei na Fonte Duque de Saxe, lavai o rosto na da Beleza e os olhos com o colírio alcalino da Viotti. Em seguida, fazei massagens de duchas, e se necessário for, metei um Pitanguy. E em desespero de causa ide para o Jardim Botânico em dia de chegada de navio holandês. Há sempre um viúvo rico dos Países-Baixos correndo o mundo, disposto a negociar os dólares da própria solidão. Ora, o Jardim Botânico, para um flamengo, é atração turística obrigatória. Sentai-vos num banco com o vosso tricô e ao vê-lo que se aproxima, gordinho e rubicundo, pedi-lhe fogo. Se ele não fumar, isso já é assunto bastante para um passeio juntos. Não paga dez. À noite recebereis uma cesta de tulipas e um mês depois estareis em Amsterdã, dona de casa entre canais, tomando a vossa genebra bem gelada e nem lembrando mais deste país subletrado e subdesenvolvido. Eu tive uma prima idosa que casou assim: e ela era mais feia que a necessidade. Casou-se com um suíço. A linha é mais ou menos essa...
Ontem minha mulher foi assistir, no circo local, a uma pantomima sobre Caryl Chessmann, o famoso Bandido da Luz Vermelha, de Los Angeles, cuja execução na câmara de gás, há uns quatro anos, deixou o mundo em suspenso. Contou-me ela que, num determinado momento, a mulher do bandido vai visitá-lo na prisão e ao vê-lo pergunta-lhe, asssim mesmo à gaúcha:
– Então, como vais?
Ao que Chessmann responde:
– Encarcerado, como vês...


*

Como existe esperança no mundo... Que beleza! É de ver o movimento que vai por estas fontes, mesmo agora, já um pouco fora de estação. Uma trançação constante, cada um com o seu copinho de plástico onde há escrito: "Lembrança de Caxambu."
E as águas balsâmicas desengurgitam figados cirróticos, acordam vesículas preguiçosas, dissolvem litíases antigas. É a saúde! Uma esticada de mais dez anos, mais cinco, mais seis meses, mais um mês, mais 15 dias... – poxa! – mais uma semaninha só, tá?
A Velha da Prestação não tem outro jeito:
– Tá.


*

Mas ao vê-la sentada lá no alto do outeiro, com o maxilar apoiado nas falanges, numa atitude de Pensador de Rodin a gente sente que a Morte está chateada da vida. Assim não é vantagem, com essas águas... E ela fica, pensando que não há nada como se ter dinheiro.
O que ainda lhe vale é que para a paisanada local, pobre e mal nutrida, a carência de iodo nas águas da região é bócio certo. De qualquer modo, para ela não deixa de ser uma esperança...





esta foi a última música composta por noel rosa, e cujo tema é o carnaval de caxambu.



Chuva de Vento
(Noel Rosa)


Quem nunca viu
Chuva de vendo a fantasia
Vá em Caxambu, de dia
Domingo de carnaval!
Chuva de vento
Só essa de Caxambu!
Domingo chove chuchu
E venta água mineral!
Um espanhol
Que está me ouvindo desconfia
Dessa chuva a fantasia
Que abala Caxambu
Esse espanhol
Que na mentira não me ganha
Garantiu que lá na Espanha
Chove bala pra chuchu!
Chuva de vento
É quando o vento dá na chuva
Sol com chuva - céu cinzento
Casamento de viúva
Zeca Secura
Da fazenda do Anzol
Quando chove não vê sol
Vai comprar feijão no centro
Bebe dez litros
De cachaça em meia hora
Pra aguentá chuva por fora
Tem que se molhar por dentro
Vento danado
É aquele lá de Minas
Sopra em cima das meninas
Diverte a população
Até os velhos
Vão correndo pras janelas
Pra ver se algumas delas
Já usa combinação
Fez sol com chuva
Uma viúva lá da Penha
Disse que não há quem tenha
Tanto pretendente junto
Mas um por um
Dos pretendentes é otário
Pois o vencedor do páreo
Ganha resto de defunto
Quem nunca viu
Chuva de vento a fantasia
Vá em Caxambu de dia
Domingo de carnaval
Chuva de vento
Só essa de Caxambu
Domingo chove chuchu
E venta água mineral!
Um Zé Pau-d'água
Tem um amigo parasita
Não trabalha e sempre grita
Viva Deus e chova arroz!
Gritando assim
Do seu povo ele se vinga
Viva Deus e chova pinga
Que arroz nasce depois
Chuva de vento
Muita gente desconfia
Dessa chuva fantasia
Que eu vi em Caxambu
Se o espanhol
Contar a dele não me ganha
Vai dizer que na Espanha
Chove bala pra chuchu!


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