segunda-feira, julho 11, 2005




maria regina moura



Menina I

maria regina moura


Menina,
me escondia debaixo da bancada
a catar rebites
e arruelas douradas
perguntando para que serviriam.
tudo cheirava a carbureto
e o ferreiro mulato, avô,
jogava uma prata
que pagasse a bala Toffe
no Bar Vitória
e me afastasse da forja.


Tudo se foi. Até a bigorna.
Mas memória é ferro quente.



este poema me devolve seu stelme, pai de maria regina, sempre que o leio, e as ruas de maria paula. trás de volta o cheiro gostoso da mata atlântica que se debruçava sobre nós, lembra Regina, moradores do lugar. um misto de saquarema e friburgo misturado com batata barôa, era este odor que muitas vezes me fazia parar o carro para respirar profundamente e levar comigo, para a cidade onde me perderia o dia inteiro e mais uma banda da noite, no trabalho.

desta poeta diz manoel de barros "só sei que você é poeta, tem o ritmo impecável e os desencontros interiores são lindos." e josé louzeiro complementa "...procura a essência das coisas, descobre raízes. poesia inventiva e forte...."
maria paula já não é a mesma, tudo muda implacavelmente. regina mora em maricá, eu em caxambu e maria antonia na fazenda esmeralda em são fidélis. verinha, e verinha? como vai?



Verdade



Na verdade não tenho teto ou pouso
e nada me amarra:
nem o varal
com minha roupa exposta
ou a escassez de asas.


Na verdade não tenho
paradeiro ou ninho
e nada me segura:
nem o cotidiano de faces imprecisas
ou as paredes da casa.


Na verdade não tenho
esconderijo ou leito
e nada me retém:
nem sentimento incerto
nem palavras rasas.






Um Jeito



Eu, por exemplo,
tenho chorado escondido,
às vezes. É assim que sou.
Mal ameaça a lágrima
no canto de um olho
o outro já desaguou.



(ainda ouço madeleine peyroux, viu, sonja? que de londres, irremediavelmente faz agora parte desta história.)


leio e releio sua carta, maria regina . foi chama para o passado. sabe chama de pegar passarinho? foi assim. e agora, aqui de tão longe me pergunto: tem como voltar aos meus trinta e poucos anos, aos quarenta e fazer igual o que fiz, mas desta vez com mais cuidado; guardo os amigos numa cixa de sapato acolchoada e quem sabe, quem sabe ? a gente em vez de desabalar cada uma prum canto do mundo escolha uma varanda para que tenhamos não um mesmo pôr de sol para diferentes olhos, mas impossíveis mudas impressões sobre o que poderia ser semelhantel mas angulamos diferente?

ou estas conversas longínquas, nunca tenha dúvidas que existem , são as mais prováveis aproximações do que em nós nos fizemos distantes? de qualquer forma, nossas vidas, é preciso dizer: nossas vidas.


Travessia-Travessura


Foi o cheiro do pão
da Padaria Confiança
às quatro da tarde
que me ensinou criança
a atravesar todas as ruas.




Avenida 7 de Setembro




Um mistério era as ruas
se cruzando e desaparecendo
no fim do quarteirão.
Minha bicicleta de rodinhas
ia aos limites do meu deslumbramento
até que a "Mariz e Barros"
um dia deu na praia
e a "Lemos Cunha"
no Campo de São Bento.




todos os poemas são do livro "exercício de um modo" de maria regina moura. poderia ter escolhido vários outros, mas este , com capa de marêda bogado, aiiiiiiiiiiiiiiiiii, marêda, saudades! está comigo há dias.




Nenhum comentário: