sábado, agosto 13, 2005


a luva que cai


agradeço aos amigos a torcida para que eu me curasse dessa pneumonia. ainda não está devidamente resolvida porque sou impaciente; quando um dia amanhece bom, invento, extrapolo e sofro o inconveniente de dois dias de apnéia. mas ela, a pneumonia, me fez romântica com a visita diária, aos finais de tarde, de uma ponta de febre. a quem nos seus frios e calores me entrego, molenga como criança, a apreciar as cpis do brasil. me comovo quando no fim do ato final da peça a epopéia é encerrada com um poema de paulo leminski dito pela senadora heloísa helena, no tempo certo, no momento exato, em que a luva cai como luva no espetáculo.

nas apoteoses trágicas tal estado de clímax pede o cerrar de cortinas. mas nossos atores, canastrãos, trocam por entre as dobras das luzes a tragédia pela farsa. que pena, a boa interpretação de duda mendonça pedia ser encerrada pelo poema. no sentido em que a farsa, alegoria de um fato, desprestigia o ato forte que não somente era narrado, mas consumado.

quase como a dama das camélia torço pelos finais de tarde e pela ponta de febre onde fico eu comigo, na sala. reconheço os objetos, os cavalos sobre a mesa, todo o cotidiano de que andava ausente por conta de um sonho que aos poucos e graças aos magos se realiza: o condomínio brasil. agradecida deixo um poema do leminski, não àquele, mas este , sobre as maneiras de morte e de vida. consigno que estou de oitiva, por questão de ordem e de precedência.


o que passou, passou



Antigamente, se morria
1907, digamos, aquilo sim
é que era morrer.
Morria gente todo dia,
e morria com muito prazer,
já que todo mundo sabia
que o Juízo, afinal, viria,
e todo mundo ia renascer.


Morria-se praticamente de tudo.
De doença, de parto, de tosse.
E ainda se morria de amor,
como se amar morte fosse.


Pra morrer, bastava um susto,
um lenço no vento, um suspiro e pronto,
lá se ia nosso defunto
para a terra dos pés juntos.


Dia de anos, casamento, batizado,
morrer era um tipo de festa,
uma das coisas da vida,
como ser ou não ser convidado.


O escândalo era de praxe.
Mas os danos eram pequenos.
Descansou. Partiu. Deus o tenha.
Sempre alguém tinha uma frase
que deixava aquilo mais ou menos.


Tinha coisas que matavam na certa.
Pepino com leite, vento encanado,
praga de velha e amor mal curado.
Tinha coisas que têm que morrer,
tinha coisas que têm que matar.


A honra, a terra e o sangue
mandou muita gente praquele lugar.


Que mais podia um velho fazer,
nos idos de 1916,
a não ser pegar pneumonia,
e virar fotografia?


Ninguém vivia pra sempre.
Afinal, a vida é um upa.
Não deu pra ir mais além.
Quem mandou não ser devoto
de Santo Inácio de Acapulco,
Menino Jesus de Praga?


O diabo anda solto.
Aqui se faz, aqui se paga.
Almoçou e fez a barba,
tomou banho e foi no vento.
Agora, vamos ao testamento.


Hoje, a morte está difícil.
Tem recursos, tem asilos, tem remédios.
Agora, a morte tem limites.
E, em caso de necessidade,
a ciência da eternidade
inventou a criônica.


Hoje, sim, pessoal, a vida é crônica.



Paulo Leminski





troia.jpg
tudo começou por causa dela, tróia, a égua. peguei sereno sem agasalho, entrei em fria.

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