a luva que cai
agradeço aos amigos a torcida para que eu me curasse dessa pneumonia. ainda não está devidamente resolvida porque sou impaciente; quando um dia amanhece bom, invento, extrapolo e sofro o inconveniente de dois dias de apnéia. mas ela, a pneumonia, me fez romântica com a visita diária, aos finais de tarde, de uma ponta de febre. a quem nos seus frios e calores me entrego, molenga como criança, a apreciar as cpis do brasil. me comovo quando no fim do ato final da peça a epopéia é encerrada com um poema de paulo leminski dito pela senadora heloísa helena, no tempo certo, no momento exato, em que a luva cai como luva no espetáculo.
nas apoteoses trágicas tal estado de clímax pede o cerrar de cortinas. mas nossos atores, canastrãos, trocam por entre as dobras das luzes a tragédia pela farsa. que pena, a boa interpretação de duda mendonça pedia ser encerrada pelo poema. no sentido em que a farsa, alegoria de um fato, desprestigia o ato forte que não somente era narrado, mas consumado.
quase como a dama das camélia torço pelos finais de tarde e pela ponta de febre onde fico eu comigo, na sala. reconheço os objetos, os cavalos sobre a mesa, todo o cotidiano de que andava ausente por conta de um sonho que aos poucos e graças aos magos se realiza: o condomínio brasil. agradecida deixo um poema do leminski, não àquele, mas este , sobre as maneiras de morte e de vida. consigno que estou de oitiva, por questão de ordem e de precedência.
o que passou, passou
Antigamente, se morria
1907, digamos, aquilo sim
é que era morrer.
Morria gente todo dia,
e morria com muito prazer,
já que todo mundo sabia
que o Juízo, afinal, viria,
e todo mundo ia renascer.
1907, digamos, aquilo sim
é que era morrer.
Morria gente todo dia,
e morria com muito prazer,
já que todo mundo sabia
que o Juízo, afinal, viria,
e todo mundo ia renascer.
Morria-se praticamente de tudo.
De doença, de parto, de tosse.
E ainda se morria de amor,
como se amar morte fosse.
De doença, de parto, de tosse.
E ainda se morria de amor,
como se amar morte fosse.
Pra morrer, bastava um susto,
um lenço no vento, um suspiro e pronto,
lá se ia nosso defunto
para a terra dos pés juntos.
um lenço no vento, um suspiro e pronto,
lá se ia nosso defunto
para a terra dos pés juntos.
Dia de anos, casamento, batizado,
morrer era um tipo de festa,
uma das coisas da vida,
como ser ou não ser convidado.
morrer era um tipo de festa,
uma das coisas da vida,
como ser ou não ser convidado.
O escândalo era de praxe.
Mas os danos eram pequenos.
Descansou. Partiu. Deus o tenha.
Sempre alguém tinha uma frase
que deixava aquilo mais ou menos.
Mas os danos eram pequenos.
Descansou. Partiu. Deus o tenha.
Sempre alguém tinha uma frase
que deixava aquilo mais ou menos.
Tinha coisas que matavam na certa.
Pepino com leite, vento encanado,
praga de velha e amor mal curado.
Tinha coisas que têm que morrer,
tinha coisas que têm que matar.
Pepino com leite, vento encanado,
praga de velha e amor mal curado.
Tinha coisas que têm que morrer,
tinha coisas que têm que matar.
A honra, a terra e o sangue
mandou muita gente praquele lugar.
mandou muita gente praquele lugar.
Que mais podia um velho fazer,
nos idos de 1916,
a não ser pegar pneumonia,
e virar fotografia?
nos idos de 1916,
a não ser pegar pneumonia,
e virar fotografia?
Ninguém vivia pra sempre.
Afinal, a vida é um upa.
Não deu pra ir mais além.
Quem mandou não ser devoto
de Santo Inácio de Acapulco,
Menino Jesus de Praga?
Afinal, a vida é um upa.
Não deu pra ir mais além.
Quem mandou não ser devoto
de Santo Inácio de Acapulco,
Menino Jesus de Praga?
O diabo anda solto.
Aqui se faz, aqui se paga.
Almoçou e fez a barba,
tomou banho e foi no vento.
Agora, vamos ao testamento.
Aqui se faz, aqui se paga.
Almoçou e fez a barba,
tomou banho e foi no vento.
Agora, vamos ao testamento.
Hoje, a morte está difícil.
Tem recursos, tem asilos, tem remédios.
Agora, a morte tem limites.
E, em caso de necessidade,
a ciência da eternidade
inventou a criônica.
Tem recursos, tem asilos, tem remédios.
Agora, a morte tem limites.
E, em caso de necessidade,
a ciência da eternidade
inventou a criônica.
Hoje, sim, pessoal, a vida é crônica.
Paulo Leminski
tudo começou por causa dela, tróia, a égua. peguei sereno sem agasalho, entrei em fria.
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