domingo, setembro 11, 2005







SENTIMENTO DO MUNDO, DRUMOND, TEM ADELAIDE AMORIM


adelaide amorim, de umbigo dos sonhos


é a conversa da vez, com muito prazer! (2)


antes da conversa abaixo já postada, quando estava ainda em fase de edição percebi que precisava perguntar mais. e mais. e mais. meu desejo seria não parar de conversar com adelaide. e percebi isto em minhas idas e vindas de solicitações. normalmente, a conversa acontece e eu a posto. peço foto e pronto. mas com adelaide estava diferente. eu queria mais. e quero mais conversar com ela, pois ela carrega o mundo nos sentimentos. se, realmente, poeta drumond, alguém tem o sentimento do mundo, este alguém é adelaide amorim. portanto aqui segue a continuação da entrevista que adelaide nem sabe que foi postada num dia.

1-como algo pode estar conosco e ser contra nós?

Tanta coisa! Pra começar, a gente se boicota com mais freqüência do que sonha nossa vã filosofia: quando se quer muito alguém ou alguma coisa que mexe com a gente; quando surgem oportunidades ditas imperdíveis que a gente dá um jeitinho de perder; quando é imprescindível acertar e a gente erra. Por outro lado, criamos defesas para evitar determinado sofrimento, e acabamos construindo mais condições de sofrimento, como a solidão; ou quando se evita todo envolvimento, quando se teme e reprime um sentimento, uma emoção com medo de perder o controle da situação. E às vezes esse algo é tão sutil e bem racionalizado que a gente não se dá conta dele.

2-muitos artistas preferem carrear a energia da libido para a criação, vários até se privam de sexo enquanto criam. seria a produção artística um imenso orgasmo?

Quase todo mundo se realiza produzindo alguma coisa, é um dos mandamentos para viver bem, ter motivo de auto-estima. O trabalho de criação em especial envolve tanto e é tão prazeroso que guarda uma analogia com o tesão, mas é um trabalho solitário. Pessoalmente não acho que substitua o gosto pelo outro, a velha e boa trepada bem dada. Mas as pessoas variam tanto que não dá pra categorizar ou listar casos e condições. Uma coisa acho que é certa: a libido funciona em muitas direções, o sexo é só uma delas. A motivação e a mobilização para criar têm a ver com libido, assim como toda arte e cultura humana e seu acervo. Uma ilustração muito rica disso é A tragédia brasileira, do Sérgio Sant’Anna, que só li recentemente.


3- mas imaginação e memória não são antagônicas. o quanto de imaginação tem na memória e vice-versa? isto não tiraria a credibilidade da história que é feita de memórias e fontes primárias, como jornais e registros cartoriais? poderíamos ter a mémoria do redator da história como fidedigna?

Que história você conhece que não traz em si um traço de interpretação? Quantas versões existem para o grito do Ipiranga? E para o suicídio de Getúlio? O registro de jornal envolve o ponto de vista de quem o fez, por mais imparcial que tenha sido o jornalista. Até mesmo os ensaios sobre qualquer assunto, os texto acadêmicos mais respeitáveis têm em si um rumo impresso ou sugerido. Não estou falando de imaginação livre e anárquica, subjetiva, mas dos pontos que infalivelmente vão ser acrescentados por quem conta o conto. Empresta-se ao fato histórico um caráter predominante, que fala de seu significado dentro de um contexto e que pode ou não corresponder à versão oficial dada a esse fato. Interpretar isso é um trabalho sempre muito interessante mas muito difícil, porque cada acontecimento é uma trança de muitos acontecimentos e envolve muitas subjetividades.

4- afinal, de que material é feita a depressão?

Não é material. A depressão é um vazio, uma desesperança total, uma morte sem cadáver no sentido de que a vida perde a razão de ser. A vida da gente é um jogo em que o presente é o dado que se tem na mão e o futuro é aquilo que visamos ou desejamos, o objetivo. Na depressão, o dado está em branco e nem mesmo isso nos mobiliza, porque não interessa ter um objetivo.

5- há quanto tempo você acumula influências.pelo que me consta, as minhas têmn a idade da terra. fazem parte do dna.

De que influências você está falando? Pelo que estou entendendo, você fala do ambiente familiar, cultural etc. A todo instante estamos recebendo influências, é um fluxo que só pára quando se morre, e obviamente começa quando se é concebido. Essa idéia fica o tempo quase todo em off, e é preciso ficar atento para não cair na idealização ou numa identificação que engesse a espontaneidade. Mas ninguém consegue ser integralmente original. Também no trabalho de criação nada se perde e nada se cria de modo absoluto.


a primeira conversa está abaixo deste post.


THE END







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