quinta-feira, setembro 08, 2005







adelaide amorim, de umbigo dos sonhos


é a conversa da vez, com muito prazer!





"esther, acho que ficou faltando te dizer alguma coisa. do jeito que foi ficou ainda mais tosco do que eu sou de verdade. mas sou tosquinha tosquinha, demoro pra cair as fichas, por isso fiquei processando essa pergunta-chave: você falou na marca, no que motiva afinal essa escrita que eu faço meio freneticamente, sem pensar muito, estudando pouco. acho que é um desejo de mais compreensão e mais acolhimento entre as pessoas. não é bastante ter gestos de polidez e boa educação, é preciso mais, tentar entender a si e aos outros. vejo que faço a volta e retorno a uma pose de clarice que não queria ter. mas o que me impele é isso mesmo: tentar entender e por causa disso viver melhor. porque se você não fizer nada pra isso, que me parece tão essencial, a vida fica muito difícil (já é o bastante). não quero dar a entender que meu ideal é ser irmã paula, porque é quase o espelho disso: preciso entender e queria que me entendessem porque preciso, é por mim que faço isso."

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o primeiro livro: "umbigo dos sonhos"

"não falo da solidariedade que se propala na mídia global, embora reconheça que eles até conseguem resultados práticos. mas é que eu acho que ser feliz depende de saber acolher mas também de saber ser acolhido. Que é preciso ter a medida do bem que um gesto de empatia pode fazer, e só quem se sente compreendido e bem recebido pode ter esse gesto. É preciso ter espaço interior de manobra para deixar uma vaga para os outros, e o grande mal de hoje (que não nasceu hoje, mas está atingindo hoje uma tensão insuportável) é uma intolerância que nasce exatamente do não-entender, do não saber se identificar com algum traço de quem está à tua frente. É preciso saber refletir, e isso exige mais que nascer."

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adelaide amorim

acho que de alguma forma derrida fala nisso quando analisa a cordialidade, a necessidade de ser o anfitrião do outro. "Le Pardon, La Vérité, La Réconciliation: Quel Genre?"


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o segundo livro,um romande, "como se livrar de glória"

adelaide amorim mora na usina da tijuca, no rio. diz que os anos que tem são muitos. tem cinco filhos, "hoje todo mundo criado, e tenho três netas, uma gata e dois livros publicados - o "umbigo do sonho" e "como se livrar de glória", um romance". é, é adelaide amorim de "o Umbigo dos sonhos" a entrevistada.

conversa leve, nem conversa é. parece poesia que afaga a tarde. foi numa tarde de sol. Aanda inverno e o tempo seco de poeira aqui em caxambu. a nos separar havia um papel de parede que era uma amarílis vermelha que fotografei na primavera passada. e, de repente, o pólen caído sobre as pétalas de veludo da flor retiveram o rosto de adelaide para mim. sim, seu rosto é como a pétala da amarílis , os pistilos, o pólem... adelaide é uma flor. depois recebi a foto dela. e continuou flor. é ela, a que "troca os sapatos para não trocar de vida".

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"outra questão ficou por conta dos blogues, que peguei truncada, mas acho que você têm razão - em alguns casos eles são um documento da vida privada de hoje, sim, sem disfarces nem muita maquiagem.
e a coisa do didatismo de que falei não é ao pé-da-letra, é alguma coisa que já existe em blogues muito informativos como inagaki e ildelber e uns tantos mais, mas também em boas literaturas de prosa e poesia, levando em conta que motivar já é parte do processo de aprendizado. "

"quando se fala em estender a mão ao próximo se pensa logo em paternalismos e populismos. não é disso que falo, mas da necessidade efetiva que existe de antes de mais nada abrir os olhos das pessoas. isso é angustiante em nosso país (em outros também, mas aqui dói mais porque os olhos vêem a toda hora), porque sai governo entra governo e a educação continua sendo um supérfluo.
no fundo, as questões estão interligadas, porque não há como fazer entender a necessidade de ser cordial sem que o sujeito se perceba percebendo os outros. não mora aí a raiz e todas as guerras, na falta dessa capacidade?
por isso queria explicar melhor o que ficou dito pela metade".



adelaide amorim é escritora. formada em filosofia, com mestrado em literatura brasileira. publicou "o umbigo do sonho" pela editora litteris em maio deste ano. tem um blog com o mesmo nome. este ano lançou “como se livrar de glória”? estranha maneira de nos convocar a pensar sobre os nossos anseios de outra glória que muitas vezes implicam em fama e fortuna é fazer a pergunta através do título de um livro. desta vez um romance. pois ao fim e ao cabo nossos anseios cabem numa imensa biblioteca da história da humanidade.

este ano lançou "como se livrar de glória"? estranha maneira de nos convocar a pensar sobre nossos anseios da outra glória que muitas vezes implicam em fama e fortuna, e ver o tamanho deles, é fazer a pergunta através do título de um livro. desta vez um romance. pois ao fim e ao cabo nossos anseios cabem numa imensa biblioteca da história da humanidade.


umbigo do sonho

por que umbigo do sonho?

ah, o nome do blog veio do nome do livro. são contos, cada um com um ponto meio obscuro, meio canhestro. sabe como é difícil entrar no mercado de livros, aí achei o título chamativo. além de ter a ver com o freud.
quis chamar a atenção para o que havia de não-lógico nas histórias. freud fala exatamente em umbigo do sonho como aquilo que ninguém explica durante um sonho. ele foi o primeiro a se preocupar com isso como estudioso, deu um tom acadêmico, enxertou na teoria dele.


o que veio primeiro o livro ou o blog? de que trata o livro? contos?

primeiro foi o livro. são contos, todos chegam num momento meio desafinado, fora do racional.

a memória é uma maneira de narrar e de ficcionar? isto não estaria fora do racional?

o que está na memória fatalmente vai parar nas narrativas que a gente desenvolve. mas pode ou não servir a uma linha racional, depende do uso que se faça dela e dos dados que traz. o que a gente inventa em ficção não tem mesmo um compromisso muito firme com a razão, mas em geral segue uma linha de verossimilhança. os contos do umbigo às vezes saem bem dessa linha.

onde começa o delírio e acaba a vida?

se você está falando de vida real, vai pro segundo plano quando a gente senta pra escrever. mas delírio propriamente pode até não pintar. ou pode, dependendo do momento.

além de blogar e ser escritora de livros o que você faz mais, adelaide?

tenho uma microempresa que faz desde revisão até redação tipo ghost-writer. faz também programação visual, sites etc. além disso tive até o meio deste ano um consultório de psicanálise, mas agora quero mais tempo pra escrever, o que estava ficando impossível.

já existe acompanhamento de pacientes no vitual?

se há, eu não faria. é preciso ver o paciente, a expressão corporal, facial, as reações. já ouvi falar disso, mas não levo fé.

quem é glória?

na orelha do livro, está definido que glória é o que sai mal no retrato. é o que está conosco mas é contra nós. no livro, é uma personagem, mas o significado que eu quis dar a ela é por aí.

a sua escrita parte da necessidade de reconstruir o passado, de sua vivência como analista, das memórias, da precisão em mentir que todo escritor e poeta sente, enfim, por que você escreve? por que escrevemos?

não sei porque todos os outros escrevem e também não estou muito certa de mim, porque às vezes é uma coisa muito imperiosa, muito forte, que obriga você a catar um pedaço de papel pra anotar uma frase, uma idéia. é uma coisa um pouco compulsiva. acho - pela teoria - que tem a ver com uma energia libidinal que não consegue se esgotar nas atividades do dia-a-dia, que te pressiona e precisa de expressão.

o que torna singular sua escrita? como vê ainda não li livro seu, o que farei em breve, mas leio seus textos no umbigo e sinto que muitas vezes, mais do que a memória prevalece, para te guiar, a bengala da imaginação.

eu acho que as duas andam juntas, imaginação usa o material da memória quase sempre (ou sempre).

uma amiga , analista também , me disse que uma hora o povo brasileiro não suportará tanta pressão, e desilusões e acabará em depressão. o que ainda o salva é o carnaval e o futebol.

tenho a impressão de que o povo brasileiro - a maioria de baixa renda e necessitada de tanta coisa que nem chegou ainda à consciência - já é um povo a caminho da depressão. a alegria do carnaval e o futebol são paliativos , mas o dia-a-dia é massacrante o bastante.

a depressão estaria associada à violência?

acho que não. violência é um outro tipo de coisa, é o negativo do que seria alegria.

mas o que torna singular sua escrita, adelaide. esta ficou sem resposta... (posteriormente, ela respondeu. é como começamos a conversa.)

mas a escrita de todo mundo não é singular? assim como cada pessoa é uma só?

não sei. harold bloom tem um livro que fala sobre "a angústia da influência" e o começo de nossa escrita sempre denuncia influências até que nossas braçadas acreditem abrir novos caminhos...

bom, se houve influência, e é claro que houve, foi acima de tudo de clarice, meu tema de monografia de mestrado. mas houve jorge de lima, que sempre amei. rilke e outros nomes. claro que não cheguei a ser como nenhum deles. mas foram queridinhos meus e ainda são.

pode ser singular no sentido de que uma pessoa é única. mas este singular compõe o plural, não é mesmo?

com certeza, a gente é um feixe de influências e nem só de outros escritores. mas não fica muito claro pra mim quem seria mais importante. lembrei do proust, que me balançou durante uns anos, mas não sei se ficou muito dele. olha, a gente vai lendo e pegando alguma coisa, no sentido mesmo de aprender, de assimilar. clarice está na frente disparada. mas há um cara chamado heinrich boll, um alemão, que me impressionou muito. teve garcia marquez, o saramago de "todos os nomes" (mas também só esse livro), e agora o cristoval tezza, que estou amando. além do sérgio sant'anna. Mas não consegui aproveitar tudo que devia desses escritores.

pior do que lembrar um bom passado/ perdido embora, porém bem vivido,/ é pensar tão-somente o quanto agora/ a vida já perdeu todo o sentido. (poema de adelaide amorim publicado na garganta da serpente . perdeu?

e teve também virginia woolf. não, a vida não perdeu sentido nenhum, acho que agora estou até começando a ter tempo de perceber o relativo sentido dela. mas o poeta é um fingidor, você sabe!...

como foi sua infância, adelaide? também gostava muito de açúcar cândi.

infância é um tempo de coisas maravilhosas e de coisas terríveis. tive das duas. mas o balanço foi ótimo, porque me ajudou a "decifrar" algumas pessoas, me ajudou a desenvolver defesas também, sou uma tímida furiosa, e me recuso a ficar uma velhinha conformada.

esta convivência com a mais idade é fácil para você ou complicada ?

pois é. É difícil lembrar a idade, mas o espelho insiste em ficar dando conselhos sensatos. ainda bem que ninguém segura os pensamentos e os sentimentos. mas com as ações e as palavras,às vezes é preciso ter cuidado.

você disse algo que dá o sentido da vida, aliás nos define : as palavras. este afã em fazer das palavras nosso instrumento de comunicação.

é o que nos resta. as utopias se esvaziaram, então é preciso que a gente aproveite a matéria delas com outras finalidades que não o de se embalar. fica dom quixote pra gente gostar e admirar. todo mundo tem seu quixote. agora é preciso fazer outras artes e as palavras são materiais multiuso.

por que você diz que todos, os seus contos, os blogs chegam num momento meio desafinado , fora do racional?

falo isso especificamente dos contos do umbigo. com os outros isso pode acontecer, não se sabe se vai ser assim. mas ficção é sempre um terreno inseguro.

você também ama coisas, e as coisas assumem na maioria das vezes um papel importante na sua escrita? como uma pedra, a curva de um rio...

esse lado visual é muito importante pra mim. além disso as coisas que convivem com a gente vão ficando familiares, fazem parte da vida. acho que é isso. e há as que a gente ama e as que a gente não quer mais. os sentimentos marcam as coisas e os lugares e os definem.

aual a repercussão deste seu segundo livro e como foi a do primeiro?

nenhum dos dois é best-seller , mas venderam um tantinho. O umbigo está mais viajado, já anda até na alemanha, com o vítor rodrigues, do botequim poético. eles estão no paraná, em porto alegre, em aão paulo, em recife, em macapá, em goiás, brasília e aqui no rio. os contos venderam mais (são de 2003) e glória já vendeu perto de 100 exemplares, e é deste ano.
se a gente pensar no tamanho do país e na quantidade de gente que lança livros e escreve na mídia, por exemplo, não é nada. continuo praticamente anônima. mas preciso lançar esses livros pra não ficar engavetada.


você acredita que os blogs ajudam a fomentar o desejo pela leitura e formam leitores em potencial?

a história dos blogs é meio difícil de definir assim em poucas palavras. Há de tudo. alguns deles, acredito, são bem positivos para despertar o desejo de leitura de boa qualidade. o problema é que as pessoas estão cada vez menos informadas e formadas para saber distinguir. acho que os blogs poderiam por exemplo ser mais usados como material didático que não fosse chato.

esta opção é bem interessante, mas como se faria isto num país onde a tradição é a da oralidade, como o brasil, e onde a cultura , o conhecimento são sonegados, e a inclusão digital é uma peça de mal gosto para fazer os tolos acreditarem em democracia? como se poderia atingir este povo? e que povo?

há gente de todo tipo na internet. a maioria, eu acho, quer encher o tempo e se comunicar sem maiores complicações. é fácil dizer que tem zilhões de amigos na internet. fora umas exceções, não tem amigo nada, tem outros tantos em busca de comunicação. povo é uma coisa indistinta, mas as pessoas que estão do lado de lá poderiam se beneficiar. como fazer isso, é outra história.

para encerrar nossa conversa e conversa não se encerra, mas para fechar a obra, e obra não precisa ser fechada, fica esta última pergunta que nos remete ao contrário da fala e seu ruído: pelo que vejo sua linha de trabalho é freudiana, quando a gente entra na sala e o analista espera que se fale alguma coisa , mas se não falar , tudo bem. a mudez, o silêncio, o nada dizer também são formas de expressão e comunicação, concorda? fiquemos em silêncio então, ou ...

é, o silêncio é um modo de dizer alguma coisa, que fica menos clara, talvez, mas tem consistência própria. gosto muito do silêncio, e em alguns casos é um indício de que alguma coisa está se processando. dependendo de como se articula com as palavras, às vezes vale por uma palavra ou várias.



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