quinta-feira, outubro 06, 2005








lolita




sempre tive comigo que o nome da pessoa, das coisas, de animais em geral, de uma certa forma , como o clima, a geografia de um lugar molda as pessoas. ontem confirmei esta premissa: conheci lolita, pessoalmente. mal é apresentada, ou ainda não do foi e pula na gente, trepa no ombro, no cangote e beija, beijos longos com seu bico sempre sujo de resto de comida.

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nasceu numa cabaça presa num tronco de árvore. seus pais e irmãos mudaram. ela mora ali . ficou. compartilha do almoço da família que ela adotou.. dona alcemira gomes, 48 anos , a tem como companheira. maurílio, seu marido fica na roça o dia inteiro: “ a senhora sabe como é, né? a gente que não tem estudo precisa de um pedaço de terra para garantir o pão pros nossos filhos. uns bezerrinhos, uma lavoura pequena, que a terra não é grande, umas vaquinhas de leite. ... fico o dia sozinha.... quando as crianças não estão no grupo ajudam o pai e a lolita me faz companhia. se o mundo está difícil para quem tem estudo imagine para quem não tem!”

nisto chegam três meninas em correria. uma é filha de alcemira, as outras são amigas de grupo escolar. lolita faz revoada em torno delas. puxa o cabelo de uma, pousa no ombro da outra , e elas reclamam : “mamãe: olha a lolita! tira ela daqui”. então dona alcemira manda lolita aquietar, e ela obedece. faz olhos pidões, compridos de tristeza, mas obedece. reconhece, talvez, que à gente o que é de gente , e à lolita, e ela nem imagina o que, o que é de lolita.

fui comprar muda de cana no seu maurílio e mal chego na porteira olha quem voa até o mourão que a sustenta: lolita! e assim nos conhecemos e entre um carinho e outro perguntei sua idade. menos de ano. somos todos humbert humbert de nabokov:

" os ombros frágeis, cor de mel, as costas flexíveis, nuas e sedosas, os cabelos castanho-avermelhados. e, como se eu fosse a aia de uma princesinha de conto de fadas (perdida, raptada, descoberta em andrajosos trajos ciganos através dos quais sua nudez sorria para o rei e seus cães de caça), vi o encantador e retraído abdômen, e as ancas infantis, com a marca crenulada deixada pelos shorts..."

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ousaria com intensa poesia descrever a lolita maritaca que pousou perto de mim!: a pena sedosa, arrepia ao carinho, os pés rugosos semelhavam valas de abismos, a beira da asa vermelha; no verde era um pingo. e os olhos! sim, seus olhos de mel, que me filtram até seu cérebro! o bico, de um arredondado meia lua, meia curva, o serrilhado perfeito que se encaixa com a parte inferior deste mesmo bico. a maneira de olhar e convidar ao vôo. o peito de plumas macias, nem protuberante, nem reto, um ligeiro contorno até a cauda, um terço de leque, nesta divina anatomia. ah! lolita! amanhã aprendo a voar!





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