quarta-feira, janeiro 04, 2006

eu e ela. e o mundo.



dia primeiro de janeiro de 2006. voltava do restaurante para casa. encontro tradicional. a música rolando suave, a chuva chovendo, e muito. pelo retrovisor do carro vejo , de outra rua, ela vir com um cão pequeno seguro na boca. era a cadela da qual todos cuidamos mas que não quer ficar na casa de ninguém. o cão em sua boca, soube depois, fora atropelado. estava morto.

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nunca vi nada igual. ela o carregou desde o centro da cidade , por mais de 2 km, até os fundos da prefeitura. com o filhote seguro na boca, nos fundos, perto da grade, ela cavou um buraco com o focinho que já sangrava. eu não tinha ferramentas, cavei com ela, usei as mãos, o mais fundo que conseguimos.

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a chuva caía. ela olhou para mim os olhos vermelhos e tristes. mas nenhuma lágrima rolou. eu a abracei e ela aceitou. ali enterramos seu filhote. e o cobri de folhagens e flores que consegui colher enquanto ela o cobria de flores de primavera caídas no chão. depois de tudo pronto, com o focinho ela empurrou todo o monte para mais dentro do buraco.

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ficou sentada olhando. resolvi sentar a seu lado. deitei sua cabeça em meu colo e sob a chuva desejei, profundamente, ser animal. ter este sentimento que a fez caminhar com seu filho morto até um local que, ela sabia, poderia enterrá-lo.

a tarde findava e não desejei sair dali. eu e ela e, por um momento, sentia-me uma cadela também. e estava bem assim. primeiro de janeiro de 2005. minha amiga marta me acompanhou neste percurso e chorou. voltou para o carro e aguardou que a noite caísse de vez. enfim, levou pão para nós duas. eu e a cadela de tetas cheias do leite que seu filho não beberia. sua cabeça ainda no meu colo. e meu corpo debruçado sobre o dela. tanta tristeza era inconcebível!

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assim começou o meu ano. melhor não poderia! não pelo morto, mas pela vida que a morte me concedeu e pela mais que amiga que me devolveu ao animal que trago em mim. ela e eu. e o mundo.

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