sábado, março 04, 2006

são são paulo,meu terror!

são são paulo, meu terror!

o carro manobrou em frente ao palácio do governo. são paulo suado por um verão agressivo. o guarda saiu da guarida, pegou uma arma de cano largo e, com o dedo no gatilho apontou-a para os que faziam a manobra. carona registra o terror nos olhos e no corpo que retesa os músculos.
são paulo... as lembranças acorrem desesperadas. a prisão política no doi-codi, um encontro desagradável com a rota, a temível e assassina polícia do estado, numa lanchonete na rio petrópolis.

num bar, onde famílias descansavam da viagem, os homens desceram da viatura empurrando crianças, senhoras, e com metralhadoras, granadas e sei lá mais o quê, ocuparam as portas, com as armas apontando para os viajantes que lá tomavam café, liberavam a bexiga , e a enchiam novamente com generosos goles de refrigerante. crianças choravam e seus pais procuravam consolo para elas. não resisti. me dirigi ao primeiro agressor e com a mão na arma forcei-o a abaixá-la , o que aconteceu pelo inusitado da situação. e, aos berros, pois berrava, ordenei que todos saíssem dali ou deixassem as armas no carro.

um que devia comandar o assalto ao bar, avisou que buscavam uma quadrilha. perguntei se ali havia algum suspeito. caso contrário fossem embora. e foram. a viatura, com os homens lá dentro, perplexos, seguiu pela estrada. mais à frente deu meia volta e parou em frente ao bar. me chamaram, eles os temidos homens da rota. e eu me escondi dentro do bar. se fosse, tenho certeza , hoje não contaria esta história, nem teria sido mais uma vez ameaçada por um guardinha do palácio do povo, onde mora o geraldo alkimim, governador de são paulo.

o-guarda-e-a-arma.jpg

depois de pegar o caminho de fuga do cano da arma do louco guarda que devia estar num dia de cão, pedi para retornar. desci do carro e me dirigi para a portaria onde estava o tal guardinha dentro da guarita com a arma sobre o parapeito. cones recém colocados impediam que qualquer carro manobrasse ali. falei com o marcio, este policial da foto, sobre o que acontecera, como me sentira destratada, ameaçada por um idiota que viu numa senhora dentro de um carro uma ameaça de bomba, quem sabe? e como são paulo,mais uma vez, me repelira. sentia-me escorraçada pela prepotência urbana, pela conivência da lei com o terrorismo que existia nos poderes, nunca no povo. mas ele sorriu ao ouvir.marcio.jpg era patético, realmente.

totalitarismo.jpg
aqui a foto desfocada da arma sobre o balcão da entrada e o policial escondido pelos vidros, que ao pressentir estar sendo fotografado foi para esconsos cantos.

viver numa cidade grande é assim: estar sempre sujeita à tortura psicológica , à prepotência de uma farda, às grades e ao calor sem clemência que inunda o cérebro de fungos esponjosos e negros.

hoje alguém consegue cantar com emoção, sem ser a do medo, esta música composta por caetano veloso em homenagem à cidade de são paulo? eu não consigo.

sampa


alguma coisa acontece no meu coração
que só quando cruza a ipiranga e av. são joão
é que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi
da dura poesia concreta de tuas esquinas
da deselegância discreta de tuas meninas
ainda não havia para mim rita lee
a tua mais completa tradução
alguma coisa acontece no meu coração
que só quando cruza a ipiranga e a avenida são joão
quando eu te encarei frente a frente e não vi o meu rosto
chamei de mau gosto o que vi de mau gosto, mau gosto
é que narciso acha feio o que não é espelho
e a mente apavora o que ainda não é mesmo velho
nada do que não era antes quando não somos mutantes
e foste um difícil começo, afasto o que não conheço
e quem vem de outro sonho feliz de cidade
aprende depressa a chamar-te de realidade
porque és o avesso do avesso do avesso o avesso
do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas
da força da grana que ergue e destrói coisas belas
da feia fumaça que sobe apagando as estrelas
eu vejo surgir teus poetas de campos e espaços
tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva
pan américas de áfricas utópicas túmulo do samba
mais possível novo quilombo de zumbi
e os novos baianos passeiam na tua garoa
e novos baianos te podem curtir numa boa

caetano veloso

quilombo = refúgio dos escravos negros que fugiam.
zumbi = líder do maior quilombo que já houve.
baiano = da bahia, estado do nordeste do brasil.
favelas = lugar de casas muito pobres.
curtir = deleitar-se, aproveitar-se, gostar.

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