quinta-feira, setembro 13, 2007

a carta muda

a carta muda



na realidade gostaria de escrever uma carta manuscrita para você, você e você. talvez, quem sabe, ela seria respondida.usaria caneta de pena, a tinta suando devagarinho pelas ranhuras, o dedo manchado de azul cobalto (será cobalto?)

contaria, dentre outras coisas que é preciso uma lua no céu para a égua parir. que as estrelas iluminam a noite escancaradamente. falaria, pasma, de como a lua tem mais influência do que um espermatozóide. sério. o óvulo fecundado, hoje cria pronta para nascer, nem está aí para o céu da lua nova.

perguntaria como está a família, claro. como você está passando? cá na terra tudo vai bem, dentro dos conformes, a bolsa cai, políticos venais permanecem no poder , e o hábito de mandar lavar a boca com água sanitária ainda existe. lembra como era antigamente quando uma criança dizia nome feio? a mãe ameaçava logo com sabão e água sanitária.

falaria de mais alguma coisa , pois uma carta precisa ser epistolar e longa. li sobre o assunto nesse blog e me dei por satisfeita: “quando você é vulgar: apenas negocia convenções, não domina os segredos, qualquer um pode dizer que árvore é o nome de uma cidade, que cidade é o nome de uma arma, que arma é um sentimento, que sentimento é o nome de um faraó. a língua epistolar é a conversa vulgar no desentendimento, mesmo que este ocasione encontros repentinos e imprevistos. é quando uma criança autista diz pra você: se o mundo gira, porque você não fica tonto?”

é uma lástima que nenhuma pessoa pode pegar no papel dessa carta ou epístola, sequer sentir com os dedos as ranhuras da pena. -e a textura é fundamental-. sabe por que? “os funcionários da empresa brasileira de correios e telégrafos (ect) estão em greve. agências estarão fechadas em todo o país hoje. após assembléias em vários estados, realizadas ontem, a categoria decidiu pela paralisação nacional, por tempo indeterminado, com o objetivo de reivindicar melhores condições de trabalho”.

portanto, se a ect incumbida de remeter as palavras não as envia, elas não existem, ficam mudas. e nada é mais angustiante do que palavra muda. é como olhar livros em estante e não os ler, falar e nenhum som ser emitido. a escrita, assim como a voz, por falta de transporte pode emudecer. você sabe. qualquer transporte.
e virtual, convenhamos, é virtual: “algo que é apenas potencial ainda não realizado (a definição histórica)”.

o francês pierre lévy em seu livro "o que é o virtual?", define:
"o virtual não se opõe ao real, mas sim ao atual. contrariamente ao possível, estático e já constituído, o virtual é como o complexo problemático, o nó de tendências ou de forças que acompanha uma situação, um acontecimento, um objeto ou uma entidade qualquer, e que chama um processo de resolução: a atualização." (lévy, 1996, p.16)
ele afirma que "a palavra virtual vem do latim medieval virtualis, derivado, por sua vez, de virtus, força, potência. o virtual tende a atualizar-se, sem ter passado, no entanto, à concretização efetiva ou formal", ou seja, é algo que não existe na forma física.”

eu gostaria de escrever com uma caneta de pena fina, sudorando tinta por entre os dedos em vez de cutucar as teclas de um teclado com seu barulho desemocionado. mas não posso. a greve dos correios calou as palavras. mesmo as que seriam inventadas ou recriadas.

é um tempo mudo.

Nenhum comentário: