sexta-feira, abril 18, 2008

guimarães rosa e a história de talita





guimarães rosa e a história de talita








preciso me apoiar em rosa, no joão guimarães, para contar um causo verdadeiro que só nas montanhas de minas pode ser engendrado. talita trabalhava como agente comunitária de saúde lá na volta grande, entre caxambu e baependi, cidades do sul mineiro. talita morava muito depois da volta grande, numa terra onde quando chove ninguém vai para lado algum. então, quando fazia sol lá saía ela para as visitas aos moradores da região. ver se estavam bem de saúde, entregar remédios ou avisar ao médico de família sobre alguém doente.

mas tem o velho do leite. é assim mesmo que o chamam. seo leiteiro. ele cria umas vacas , tira o leite e vende na cidade. ora, nos dias certos talita visitava a casa dele e ele sempre na cidade na entrega do leite. a mulher dele, dona cacau, assinava a ficha de visita. mas seo leiteiro sempre reclamava com o médico chefe da talita que ela nunca ia lá.

a mãe da talita, a cida, mora no bairro santa rita, em caxambu e compra o leite dele. não passava um dia era reclamação de toda maneira. talita passou a deixar bilhetes para seo leiteiro com a mulher dele, contando que passara por lá, que a mulher estava bem ou mal de saúde, coisas da vida, e que voltaria tal dia e tal hora. não é que o casal passou a achar que talita dava em cima dele?

aí foi criação geral de caso. de um lado a mulher queria outra agente de saúde, o velho queria talita. foi o bastante para ela, mãe de dois filhos, pedir demissão do emprego. "o povo reclamava de tudo. a gente levava remédios eles tomavam chá de erva e diziam que o remédio era ruim nem fazia efeito. aí o chefe reclamava comigo."

talita saiu do emprego. seo leiteiro foi bater na casa da dona cida que já havia parado de comprar lerite nele para não se aborrecer. "pois é, né dona? sua filha abandonou a gente e agora, vou reclamar de quem? " dona cida foi pronta na resposta: reclama da nova agente de saúde. e seo leiteiro foi taxativo: perdeu a graça, gostava de reclamar dela pra receber bilhetinho". não perdeu a viagem, deixou com dona cida um bilhete para a talita que diz assim:

Nossinhora! gosto dimais da conta docê


Cê é o colírio do meu zoiu.
O chiclete garrado na minha carça dins.
A maionese do meu pão.
O cisco no meu ôiu (o ôtro oiu - eu tenho dois).

O limão da minha caipirinha.
O rechei do meu biscoito.
A masstumate do meu macarrão.
A pincumel do meu buteco.

Nossinhora!
Gosto dimais da conta docê, uai.

Cê pe tamém:
O videperfume da minha pintiadêra.

O dentifriço da minha iscovdidente.

Óiprocevê,
quem tem amigo assim, tem um tisôru!

Eu guárdesse tisouro, com todo carinho ,
Do Lado Esquerdupeito !!!
Dentro do Meu Coração!!!

não sei se seo leitero usa internet, mas pesquisei e encontrei o poema assinado por paulo master


"..........................Aí está minas. A mineiridade.
Mas, entretanto, cuidado. Falei em paradoxo. De Minas, tudo é possível. Viram como é de lá que mais se noticiam as coisas sensacionais ou esdrúxulas, os fenômenos?...... Só que mineiro não se move de graça. ele permanece e conversa. Ele espia, escuta, indaga, protela ou palia, se sopita, tolera, remancheia, perrengueia, sorri, escapole, se retarda, faz véspera, tempera, cala a boca, matuta, destorce, emgambela, pauteia, se prepara. Mas senso a vez, sendo a hora, Minas entende, atende, toma tento, avança peleja e faz.
Sempre foi assim. Ares e modos. Assim seja."


do livro "ave palavra" primeira edição, com ortografia antiga, sem a reforma, editado pela josé olympio. obra póstuma. com prefácio de paulo rónai. o nome da carta de amores é "minas gerais" e é aí que ele diz" ....: pois Minas Gerais é muitas. São, pelo menos, várias Minas."


fabio dizendo no colégio coc integrado de amparo/sp 'ave palavras' de guimarães rosa.
repare que o sinal toca 465413 horas e ninguem levanta. todos entretidos no conto!


A LÍNGUA DE ROSA

"A língua e eu somos um casal de amantes que juntos procriam apaixonadamente, mas a quem até hoje foi negada a benção eclesiástica e científica. Entretanto, como sou sertanejo, a falta de tais formalidades não me preocupa. Minha amante é mais importante para mim."

Em longa carta, de 11 de maio de 1947, para Vicente Guimarães, escreve:

"A língua portuguesa, aqui no Brasil, está uma vergonha e uma miséria. Está descalça e despenteada;.... É preciso distendê-la, destorcê-la, obrigá-la a fazer ginástica, desenvolver-lhe músculos. Dar-lhe precisão, exatidão, agudeza, plasticidade, calado, motores. E é preciso refundi-la no tacho, mexendo muitas horas. ... A nossa literatura, com poucas exceções, é um valor negativo, um cocô de cachorro no tapete de um salão. Naturalmente palavrosos, piegas, sem imaginação criadora, imitadores, ocos, incultos, apressados, preguiçosos, vaidosos, impacientes, não cuidamos da exatidão...... Quem pode, deve preparar-se, armar-se, e lutar contra esse estado de coisas. É uma revolução branca, uma série de golpes de estado."

Em carta a João Condé, de 1946:

"De certo que eu amava a língua. Apenas, não a amo como a mãe severa, mas como a bela amante e companheira. .... Mas ainda haveria mais, se possível...: além, dos estados líquidos e sólidos, porque não tentar trabalhar a língua também em estado gasoso?"

Na entrevista a Günter Lorenz, em 1965, dirá:

“Escrevo, e creio que este é o meu aparelho de controle: o idioma português, tal como o usamos no Brasil; entretanto, no fundo, enquanto vou escrevendo, eu traduzo, extraio de muitos outros idiomas. Disso resultam meus livros, escritos em idioma próprio, meu, e pode-se deduzir daí que não me submeto à tirania da gramática e dos dicionários dos outros.

Se tem de haver uma frase feita, eu preferia que me chamassem de reacionário da língua, pois quero voltar a cada dia à origem da língua, lá onde a palavra ainda está nas entranhas da alma, para poder lhe dar luz segundo a minha imagem.

Eu quero tudo: o mineiro, o brasileiro, o português, o latim, talvez até o esquimó e o tártaro. Queria a linguagem que se falava antes de Babel”.

“amo a língua, realmente a amo como se ama uma pessoa”. Isto é importante, pois sem esse amor pessoal, por assim dizer, não funciona.
Quando escrevo, repito o que já vivi antes. E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente.



Um chamado João


Poema de Carlos Drummond de Andrade Publicado no jornal Correio da Manhã, de 22.11.1967,
Em Memória de João Guimarães Rosa. Rio de Janeiro, José Olympio, 1968.



João era fabulista
fabuloso
fábula?
Sertão místico disparando
no exílio da linguagem comum?

“Projetava na gravatinha
a quinta face das coisas
inenarrável narrada?
Um estranho chamado João
para disfarçar, para farçar
o que não ousamos compreender? “

Tinha pastos, buritis plantados
no apartamento?
no peito?
Vegetal ele era ou passarinho
sob a robusta ossatura com pinta
de boi risonho?

Era um teatro
e todos os artistas
no mesmo papel,
ciranda multívoca?

João era tudo?
tudo escondido, florindo
como flor é flor, mesmo não semeada?
Mapa com acidentes
deslizando para fora, falando?
Guardava rios no bolso
cada qual em sua cor de água
sem misturar, sem conflitar?

E de cada gota redigia
nome, curva, fim,
e no destinado geral
seu fado era saber
para contar sem desnudar
o que não deve ser desnudado
e por isso se veste de véus novos?

Mágico sem apetrechos,
civilmente mágico, apelador
de precípites prodígios acudindo
a chamado geral?
Embaixador do reino
que há por trás dos reinos,
dos poderes, das
supostas fórmulas
de abracadabra, sésamo?
Reino cercado
não de muros, chaves, códigos,
mas o reino-reino?

Por que João sorria
se lhe perguntavam
que mistério é esse?
E propondo desenhos figurava
menos a resposta que
outra questão ao perguntante?

Tinha parte com... (sei lá
o nome) ou ele mesmo era
a parte de gente
servindo de ponte
entre o sub e o sobre
que se arcabuzeiam
de antes do princípio,
que se entrelaçam
para melhor guerra,
para maior festa?
Ficamos sem saber o que era João
e se João existiu
de se pegar.

quando meu filho fez trës anos de idade resolvi levá-lo para fazer o percursso que rosa fez em grande sertão e veredas e outros livros mais. fomos a cordisburgo.
conversamos com manuelzão. assim, desta maneira ,manuelzao.jpgrecordo dele que lembrou seu nico pixixica, com história parecida.

viajava a cavalo tocando boiada pelo este mundo todo. manuelzão encontrou rosa, pixixica, joão batista da costa, ex-vice governador do estado do rio, cassado no primeiro de abril, e que o tinha como responsável por sua fazenda em bom jardim. passei umas férias por lá. quando li "grande sertão e veredas", abraçada pelas raízes imensas de uma figueira antiga.

me acomodava lá e lia. de noite jantava na casa de seu nico que adorava uma prosa sobre política e contar as andanças pelo brasil afora carreando bois. até que seu nico pediu preu não ir mais lá que assustava o povo da fazenda . eles achavam que eu era alguma fada ou satanás sem medo do escuro. ele inverteu: levava a comida para mim na casa grande e lá a gente conversava. homem pode andar pela noite. mulher , deve ser fantasma.

os dois como se pareciam! no livro manuelzão e miguilim assim o narra gruimarães rosa : “ ativo e quieto, Manuelzão ali à porta se entusiasmava, público como uma árvore, em sua definitiva ostentação”. assim era também seu nico pixixica. o sertão põe vezo nas gentes.



Cleusa Rios Passos, professora de Literatura, e Heitor Megalle, professor de Filologia, comentam características da obra do escritor João Guimarães Rosa.
Trecho do programa Refletor, produção da TV Unicsul.
Título: Rosa de Todos os Tempos.
Exibido pelo Canal Universitário de São Paulo em 2004.
Entrevista com Cleusa Rios Passos realizada pelo jornalista Valmir Santos.
Entrevista com Heitor Megalle realizada pelo jornalista Danilo Vasques.

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