domingo, janeiro 30, 2011

o brilho do sol azulando



em 2004, aqui no porcas, postei esta lembrança, usando a terceira pessoa. hoje, ao procurar uma entrevista que fizera com jocy de oliveira reli e pasmei porque não usei o eu. não sei a resposta ainda. talvez nunca saiba. mas causou-me tanta aflição ler este texto que reproduzo.



o brilho do sol azulando a asa do avião. em baixo as nuvens carregadas de chuva. flutuava entre tempo e espaço ouvindo manon lescaut , sem apreciar a ópera com o mesmo prazer de antes. estava agitada. as reuniões não correram como deviam. e era véspera de fim de ano. recesso para todos. estava ainda com as malas viajando de um lado para outro.
esperava-a o carro da oea. ainda bem! era o único da capital com ar refrigerado, na ocasião. só o tempo de passar no hotel para deixar a bagagem e seguir direto para o ministério onde havia um encontro agendado. tantas vezes chegara e partira de brasília . conhecera suas noites, seus bares, seus restaurantes, mas nada da sua vida diurna. nenhuma obra arquitetônica fora os ministérios , a câmara, o senado e o palácio da alvorada. uma alvorada que o brasil espera há muito, desde antes de seu hino ser cantado, e que até hoje....( creio que ouço indícios de alvorada, hoje, em 2011)
passava as manhãs e tardes, sem remédio, no fosso escuro dos escritórios dos ministérios. tudo sendo lembrado muito rápido. flashes. incomodava não ter ainda comprado o presente do filho. estava cansada. o ano inteiro viajando. exausta. quando entrou no ministério e foi direto para o gabinete estava com folga de alguns minutos. logo o ministro a atendeu. marco maciel. ajudaria a formar rádios universitárias, como não? teria seu aval. que estivesse contra uma parte do professorado, ele era à favor. gravou o depoimento.
ele reclamou. não era para ser gravado. quase um desentendimento. "mas preciso de uma base", argumentou. "o archer. o archer acompanhará todo o processo". e acompanhou, apoiou. ajudou. renato archer. e o encontro se prolongava. gostava do ministro da educação, apesar dp pfl. um homem de cultura e que prezava a ação. disfarçadamente olhou o relógio. o estômago roia .
lembrou de outro momento: quando o funaro assumira no governo sarney. estava com o archer para a cerimônia de posse , a privativa, só para autoridades. foi chamada pelo presidente: gostaria de gravar uma mensagem para a primeira rádio universitária que surgia.
insolente . muito insolente. recusou-se. não . não quero o depoimento de quem cortejou a ditadura, ouviu a voz , sua própria voz dizer. o ministro da ciência e tecnologia olhou-a pasmo.
educadamente foi convidada a retirar-se da cerimônia de posse do ministro dilson funaro. solidário, renato archer a acompanhou.
esperando o elevador viu chegar transtornado o ministro das comunicações antonio carlos magalhães. levara o ex-ministro dornelles até o carro.estava insatisfeito .

dentro do elevador começou a rir baixinho. quase que para dentro. por deferência ao ministro da ciência e tecnologia. quando enfim ele falou: você não toma jeito mesmo, né menina? sempre falando o que pensa, na hora em que não devia...
naquele tempo ainda era chamada de menina..... lembra que lhe perguntou? e isto é poder, ministro? esta nação é medida por estes luminares?

nessa viagem, quando ia para o aeroporto, um retorno mais do que ansiado, pediu ao motorista quando passou pela igreja: espere um pouco. entrou e ficou ouvindo os murmúrios que saem de todos os lados da catedral sem cantos de brasília.

quase perdeu o último vôo.
Posted by pparafusos at 1:00 PM | Comments (0)
abril 8, 2004

2 comentários:

Jorge Carrano disse...

Num certo trecho você diz que naquela época ainda era chamada de menina.
Pois creia, na minha memória ainda retenho a menina doce, viva, persistente, inteligente e culta, pouco importando o que a vida tenha mudado.
Beijo
Carrano

Esther Lucio Bittencourt disse...

você é extremamente delicado, carrano. sinto prazer em ser sua amiga. que bom termos convivido na época do sonho. saiba que também lembro com nitidez de seu rosto jovem e resolvido. abraço, amigo. sua neta erika escreve muito bem.