terça-feira, abril 02, 2013
A mirada em cicatrizes, parafraseando Nora Borges
por causa de Nora Borges. É necessário alguma força que anule a inércia. E Nora Borges de Cicatrizes da Mirada e Língua de Mariposa, títulos belos, hoje me soprou e resolvi continuar aqui um pouco das memórias que me povoam nestes últimos dias.
Contarei sobre Betinho. Nos encontramos em Recife para um Congresso de Jornalismo. Não que tivéssemos marcado que nos conheceríamos. Mas nos conhecemos. Foi imediata a instalação da amizade. O congresso decorria num colégio de freiras. Procuro lembrar o nome do colégio e é em vão. Caso continue a forçar a memória paro de escrever. Em frente, sem detalhes.
Combinamos nos encontrar à noite em Olinda, num dos bares e sentir a cidade à noite. Cheguei primeiro e tomava meu primeiro suco. Já não podia beber pois usava e uso até hoje remédios controversos ao álcool. Quando Betinho apontou na dobra da visão levantei-me e cantei o Bêbado e a Equilibrista de João Bosco. Elis Regina já havia morrido e pensei:a música foi feita para ele, para os que foram expulsos do Brasil e, agora, no momento da anistia, quando retornam não está viva a pessoa que deveria saudá-los. O bar inteiro e todos os bares em torno, era o circuito deles, todas as pessoas levantaram e cantaram comigo o hino da anistia. Betinho emocionado disse que baixamos a Elis Regina.
No dia seguinte tínhamos encontro com o chamado Arcebispo Vermelho, Dom Helder Câmara, que pleiteava e se empenhava pelos menos favorecidos. Ele nos contou dos poços que abria em pontos chaves de propriedades em região de seca e que a água era compartilhada por todos. Era um mutirão de homens, mulheres e crianças procurando água no subsolo do Recife. Encontravam a dividiam. No outro mês o mutirão seria em outra propriedade para atender a mais pessoas agrestinas, mal nutridas que, com a água podiam ter seu plantio e seus animais.
O nordestino é um bravo de tristes partidas e esperançosas chegadas, como diz Luiz Gonzaga:
Tudo temos de primeira, sim
Valor humano
Gente honesta e ordeira também
(Luiz Gonzaga)
Nos presenteou com seu balé dos mundos, que havia escrito. Infelizmente não mais o tenho . Numa época minha casa em Caxambu foi assaltada e cds, livros - ladrão intelectual- também foram levados. Ao final do Congresso Dom Helder rezou missa em praça pública e fez um sermão onde a emoção das palavras nos tomou. Eita arcebispo eirado de de verbos!
As noites ficavam por conta de conversas, andarilhadas pela cidade e conjeturas de um mundo melhor.
Fim de semana chegado resolvemos passá-lo em Itamaracá com mais uma amiga. E assim ficamos dois dias de sol, peixe, sal e mar.
Quando retornamos fui conhecer Maria, sua esposa e entendi o porque , dos irmãos, ele conseguira , magro, sofrido, hemofílico também, sobreviver mais tempo à aids contraída durante transfusão de sangue, sempre necessária. A comida, os chás, os preparos de Maria. O carinho de Maria.
E nos encontrávamos sempre, anualmente em congressos, no mais para conversas. Até que um dia, na Reitoria da UFF , recebi seu telefonema: estava com aids. Após o trabalho, à noite, bem noite, fomos a casa dele. Estava bem, todos sorriam e parecia que o mundo não iria acabar.
Para mim ele ainda não acabou, realmente. Vai se desfazendo aos poucos. Quantos se foram? Já perdi a conta.
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