quinta-feira, novembro 27, 2003

metamorfoses humanas



depois de uma conversa com ricardo que mora na praça, dorme sob a marquise quando chove e está sempre feliz.

durante um tempo somos os filhos da mãe e do pai. em certos momentos, somente filhos da mãe. em outros , do pai. nesta fase também somos alunas, sobrinhas, netas, primas... depois, num tempo mais crítico somos chamadas de esta menina e adjetivadas; boas ou más, levadas ou dóceis.

mais tarde ganhamos nosso nome. é por ele que somos chamadas. e acreditamos que com isto venha a definição da personalidade e a emancipação. somos fulanas de tal! no entanto, podemos ser sicrano ou beltrano para alguém que a nós se refere. somos numeradas: cic, rg, matrículas... ao ponto de em alguns lugares sermos identificadas somente pelo número.

o tempo passa e nos tornamos a mulher ou esposa de fulano. depois mãe do nosso filho. e lá se vai pro brejo a emancipação que supúnhamos conquistada. nossa numeração continua válida e recebe alguns acréscimos : conta bancária, talão de cheque, cartão de crédito, carteira de motorista, título de eleitor, passaporte...

o tempo incólume passa. nós somos atropeladas por ele. e então nos chamam por tias. principalmente balconistas, guardadores de carro.... . enfim, chega o tempo de sermos tratadas por vó. ei vó, vai querer o quê?
até que nos enterram sob o apodo de velhos, caducos, entulhos desnecessários.

com olhos de quem muito viu olha-se o mundo cansado. nós não. o mundo é quem está cansado. cansadas não. indispostas não. mais velhos, mais idosos, mas nunca mais cansadas. só que o entendimento das coisas vistas e vividas transforma nosso olhar em ponto de interrogação.

e assim vamos para a cova. cada vez perguntando mais. como crianças cheias de porquês. e recebemos como resposta uma solene pá de cal.

adotamos outro nome : aqui jaz.

concientes de como é pândega a vida.


Nenhum comentário: