quarta-feira, setembro 15, 2004
ontem revi hair . o filme foi adaptado da peça teatral por milos forman o mesmo diretor de amadeus.
aí foi brabo; senti saudade de sentimentos que não existem mais nem em mim. solidariedade, amizade, fraternidade. sim, havia-os naquele tempo, no tempo do flower and power, dos hipies, dos hipongas, como resolverem chamar. um tempo que não está muito distante. havia esperança, fé, caridade e não confunda com as palavras usadas em vão pela santa madre igreja .
mais precisamente amanheci saudosa de meus sentimentos. a coragem desabrida, a certeza de ter asas e poder voar, e o olhar manso e afável que acariciava o mundo.
quando começamos a ouvir : você me escuta e eu falo, sou autoridade, e ríamos disto porque sempre foi tão tolo acreditar ter poder, que mais deveríamos ter quebrado todos os dentes da boca, rompido o risoris de santorini para nunca mais sorrir. porque são hoje estas vozes, eu mando, eu sou o poder, que pipocam com os tiros das metralhoras no peito que não temos mais. e arrancam nosso olhos das órbitas e retiraram todo o sentimento de mundo.
aqui jaz. jaz? amanheci com a disposição de fazer calar as vozes que nos calam.
primeiro,antes de tudo, eu já disse que os amo? a vocês que vêem sempre aqui? e também aos que não vêem? eu os amo. nós estamos a cirar uma nova rede que, desta vez, não poderá ser calada porque muda, feita de sensações e percepções. EU OS AMO. e estas flores da primavera que se avizinha são para vocês . como também este poema do haroldo de campos. que faz poemas como ninguém.
O Neoliberal
laisser faire laisser passer
Haroldo de Campos
1.
o neoliberal
neolibera:
de tanto neoliberar
o neoliberal
neolibera-se de neoliberar
tudo aquilo que não seja neo (leo)
libérrimo:
o livre quinhão do leão
neolibera a corvéia da ovelha
2.
o neoliberal
neolibera
o que neoliberar
para os não-neoliberados:
o labéu?
o libelo?
a libré do lacaio?
a argola do galé?
o ventre-livre?
a bóia-rala?
o prato raso?
a comunhão do atraso?
a ex-comunhão dos ex-clusos?
o amanhã sem fé?
o café requentado?
a queda em parafuso?
o pé de chinelo?
o pé no chão?
o bicho de pé?
a ração da ralé?
3.
o céu neon
do neoliberal
anjos-yuppies
bochechas cor-de-bife
privatizam
a rosácea do paraíso
de dante
enquanto lancham
fast-food
e super
(visionários) visam
com olho magnânimo
as bandas
(flutuantes)
do câmbio:
enquanto o não
- neoliberado
come pão
com salame
(quando come)
ele dorme
sonhando
com torneiras de ouro
e a hidrobanheira cor
de âmbar
de sua neo-
mansão em miami
4.
o centro e a direita
(des)conversam
sobre o social
(questão de polícia):
o desemprego um mal
conjuntural
(conjetural)
pois no céu da estatís-
tica o futuro
se decide pela lei
dos grandes números
5.
o neoliberal
sonha um mundo higiênico:
um ecúmeno de ecônomos
de economistas e atuários
de jogadores na bolsa
de gerentes
de supermercado
de capitães de indústria
e latifundários de
banqueiros
- banquiplenos ou
banquirrotos
(que importa?
dede que circule
autoregulante
o necessário
plusvalioso
numerário)
um mundo executivo
de mega-empresários
duros e puros
mós sem dó
mais atento ao lucro
que ao salário
solitários (no câncer)
antes que solidários:
um mundo onde deus
não jogue dados
e onde tudo dure para sempre
e sempremente nada mude
um confortável
estável
confiável
mundo contábil.
6.
(a
contramundo
o mundo-não
-mundo cão-
dos deserdados:
o anti-higiênico
gueto dos
sem-saída
dos excluídos pelo
deus-sistema
cana esmagada
pela moenda
pela roda dentada
dos enjeitados:
um mundo-pêsames
de pequenos
cidadãos-menos
de gente-gado
de civis
sub-servis
de povo-ônus
que não tem lugar marcado
no campo do possível
da economia de mercado
(onde mercúrio serve ao deus mamonas)
7.
o neoliberal
sonha um admirável
mundo fixo
de argentários e multinacionais
terratenentes terrapotentes coronéis políticos
milenaristas (cooptados) do perpétuo
status quo:
um mundo privé
palácio de cristal
à prova de balas:
bunker blau
durando para sempre - festa estática
(ainda que sustente sobre fictas
palafitas
e estas sobre uma lata
de lixo)
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