sábado, abril 16, 2005
conversa de papel para dobraduras de capivaras*
sábado, fim de tarde, pedia para jogar conversa fora. mas ela ficou tão gostosa que agora divido com vocês. foi com o artesão fernando henrique ferreira que recebeu da cora ronái um impulso formidável. tanto que mobilizou toda caxambu . sábado termina na promessa de domingo. então vamos encurtar o papo.
fernando henrique ferreira
"meu pai era o michel ferreira , tinha uma padaria aqui e minha mãe era telefonista de uma companhia, acho que telemig. ainda do tempo que colocava os pinos e rodava a manivela . nas casas os telefones eram daqueles antigos com manivela, a cidade girava a manivela, a telefonista atendia e colocava os pinos nos números com os quais queríamos falar.
meu pai , descendente de árabes fazia pão ainda no tempo em que os fornos eram à lenha. desde criança aprendi a fazer pães com ele. bolos, brevidades, pão de minuto. lembro do pão doce de meu pai, com certeza era o melhor da cidade.
eu acho que mexer a massa do pão, e era preciso muito braço, a feitura de roscas que era uma obra de artesanato pois imitávamos tatus, jacarés, trançando os rolinhos de massa, talvez tenha influenciado meu prazer em trabalhar com as peças de papel machê, pois os mesmos movimentos eu repito ao confeccionar minhas peças e neles encontro o mesmo prazer.
cabeça de índio do xingu para porta-lápis. fernando está preparando uma série destas cabeças das diversas etnias
lembro também de uma coisa que gostava muito: quando a gente ia tirar o pão do forno abria um ovo na pedra e ele cozinhava ali. cortava o pão quente e colocava o ovo dentro. era uma delícia. uma das boas lembranças da infância.
tenho apenas uma irmã que mora no rio de janeiro, na usina . ela é casada e tem um filho. a minha irmã era a preferida dos viajantes que iam vender doces para meu pai. ela sempre ganhava um pote de doce de presente e eu ficava à mercê da caridade dela. então ela negociava comigo; eu precisava emprestar alguma revistinha ou fazer alguma coisa que ela queria para ganhar o doce.
valéria, na oficina
tenho 48 anos e sou casado . temos dois filhos. a valéria tem uma filha do primeiro casamento e em comum temos o cauê. (-diz o cauê que quando crescer quer fazer biologia marinha ." porque eu gosto de bichos marinhos", afirma ele.-)
cauê com o pai
eu considero que vivi bem minha vida porque fiz muita coisa boa. fui um precursor em muitos sentidos. na minha época ninguém usava cabelos compridos e eu os tinha . viajei por toda a região porque consegui um bico para comprar contas de luz para um negociante. nelas vinham depósitos compulsórios, isto na década de 70, e e ele transformava as contas em ações do branco do brasil.
então eu podia sair e pagar um guaraná para minhas namoradinhas. dar um beijo na boca naquela época era uma conquista que nos fazia ficar uma semana inteira viajando no beijo.
fui para o rio em 1972 trabalhar a estudar. lá fiz o liceu de artes e ofícios durante uns dois anos. fiz curso de arte na sociedade brasileira de belas artes que ficava na rua do lavradio e depois aprimorei técnica de artesanato no intituto kaluste golbenkian. lá trabalhei com barro, madeira, papel, pintura em porcelana e desenho.
servi o exército, trabalhei um tempo no jornal do brasil como digitador já usando terminal de computador, mas muito antigo, as letras saíam todas verdinhas. aí voltei para caxambu porque sentia falta da paz daqui. queria ser pintor de quadros. depois de um ano aqui minha indenização que recebi do jornal do brasil acabou e como não consegui vender quadros comecei a fazer artesanato. no início só araras e tucanos.
negra joana em expopsição em paris
num mês muito bom ganho uns mil reais com artesanato, mas em outros meses fecho no vermelho. a valéria , minha mulher tem uma peixaria que ajuda na despesa e a mensalidade do colégio do cauê, o dom ferraz, eu troco por aulas de educação artística.
é esta a vida de um brasileiro. sei que se estivesse no exterior criando minhas peças ganharia bem, não pagaria tantos impostos e, certamente, receberia incentivo do poder público como ocorre na china, onde também há o trabalho escravo, mas aos artistas o governo incentiva, mesmo que sejam fabriquetas de fundo de quintal.
e não me refiro só a caxambu mas ao país como um todo. a carga tributária precisa ser revista se desejarmos fazer uma nação para todos. e não só ela. o brasil precisa reencontrar-se na experiência de seu passado e através da educação dos jovens construir homens públicos que não desonrem ao povo com maracutaias e falcatruas econômicas e políticas
aqui dependemos da ong mãos de minas que divulga e vende nosso produto no brasil e lá fora. a cidade compra pouco ou nada. ainda é uma cidade interiorana, com algumas exceções, onde a arte e a cultura são consideradas supérfluas. aqui ainda é preciso alguém para definir o que é cultura.
o pepe do palace hotel quer incluir minha oficina no roteiro turístico . através do grupo que pensa a cidade ele enviou mensagem neste sentido para os hoteleiros.
isto aconteceu porque a dona cora e dona suely divulgaram meu trabalho para que eu pudesse desencalhar peças no valor de 25 mil reais, encomendadas pelo sr. Jean Piet Hatman, que não pagou nem levou. esta atenção de dona cora mexeu com toda a cidade que está num movimento só para crescer. juntamos nossas forças a dela e a da nova administração para trabalhar por caxambu. fazer a cidade crescer.
* o título comprido da matéria me foi inspirado pelo o nome que o poeta fabrício carpinejar deu a uma de nossas conversas: "conversa de pássaros para tapeçaria de redes."
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