quinta-feira, setembro 15, 2005
dia bom para morrer
segunda é um dia bom para se morrer. sempre dissera isto para a família. quem sabe, sequer acordar do domingo, principalmente se o domingo estiver imerso em azul e cálido de sol?
a mãe recomendava, bata na boca, onde já se viu dizer tamanha bobagem? a avó se benzia e da cozinha ouviam venina fazer toc-toc na madeira. ela sabia que venina, em seguida, se trancaria no quarto e com o crucifixo apertado nas mãos, o nó dos dedos brancos pela perda de sangue, tanta a força de sua devoção, rezava pela vida. intuía a vó agarrada no terço e encomendando ladainhas.
conheceu o moço num domingo. chovia. mas que sol a chuva trazia, que luz, tanto azul!
no final da tarde ele todo promessas, ela imensa crença, caminharam sob as águas do céu rumo ao campo do clube. pegariam os cavalos e ganhariam os céus, ele lhe prometera. emmeio do caminho ela a beijou, um beijo de tirar o fôlego e seu ar já não entrava no pulmão. tentou se desprender daquelas mãos, lutou, caíram na lama. mas a respiração no voltava; ele trazia o nó dos dedos brancos apertados na sua garganta e a boca presa na sua.
lembrou do baile da semana seguinte. do vestido, do perfume novo que comprara e do cavalo que neste fim de semana ainda não fora montado. lembrava aos borbotões, como quem sufoca. chorava sincopado e sabia que naquela hora, cercada por réstias de alho com que enfeitava seu quarto, venina ouvia no programa do cesar de alencar, emilinha borba.
sentia a lingua dele fechando sua glote. quase macia. e a mordeu. com a gana da vida. e a cortou. o sangue escorria em sua boca como o jato de água do dentista. ele rolou pela terra longe dela.
retirou a língua da boca, a língua dele e correu até a sede do clube. nada dizia, apenas mostrava a língua.
socorrida, foi para casa. dormiu sob calmantes e nunca mais, nunca mais disse que segunda era um bom dia para se morrer porque quando acordara ainda sentia o afago da mãe em seus cabelos e viu, com estes olhos que a terra, um dia, há de comer o rosto preocupado do pai e no cantomais escuro do quarto sua avó com o rosário nas mãos. ao seu lado venina segurava uma fumegante caneca de café com leite. ah, e sempre sempre trazia nas roupas que usava o perfume do alho que enfeitava seu quarto.
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