sexta-feira, outubro 03, 2008

o canário de machado, o realismo de eça e o trinca-derro curril curril boi



o canário de machado, o realismo de eça e o trinca-ferro curril curril boi





"O que queremos nós com o Realismo? Fazer o quadro do mundo moderno, nas feições em que ele é mau, por persistir em se educar segundo o passado; queremos fazer a fotografia, ia quase dizer a caricatura, do velho mundo burguês, sentimental, católico, devoto, explorador, aristocrático - apontando-o ao escárnio, à gargalhada, ao desprezo do mundo moderno e democrático - preparar a sua ruína."

Eça de Queiroz

no centenário de machado de assis, dia 29 de setembro foi assinado o acordo ortográfico que vigorará em janeiro de 2009. queria ver se o assinariam no centenário de eça de queiroz e se o embaixador português consideraria uma glória tal feito.

pergunto aos doutos, agora, como escrever curril curril boi, uso hífen ou não? hífen tem acento? curril curril boi é um dos cantos do trinca ferro, um pássaro que, anteriormente, levava hífen no nome e agora não sei se voou.

trincaferro.jpg
trinca-ferro

os cantos contados pelos homem da terra mineira são o bom-dia-seu-chico-boi, bom-dia-seu-tio-joão e o curril-curril-boi que eles dizem curicutilboi. o que tenho canta curril curril boi. conto a história do saltator similis: já ganhou oito torneios de canto e apareceu cego numa manhã. mata não mata, deixa para lá, perdeu o valor, esta foi a história que me contaram.



canto do curril curril boi

estava acabado e magro e feio de penas quando o vi. sem comida. dei 100 reais nele para cuidar. chamo-o de meu rei. e o dia inteiro após ser alimentado, vitaminado, trocar pena, trocar bico, que nem sabia que passarinho trocava de bico, fica desde cedo dizendo o curril curril boi dele. adora uma jabuticaba e cá em casa o pé está carregadinho daquela de casca grossa. preciso plantar a de casca fina, tem mais polpa. pois hoje o trinca, meu rei, comeu jabuticaba que deu pela primeira vez. é batata: sete anos plantada a árvore e o fruto nasce.

parece o soneto de camões: "sete anos de pastor jacob servia ...." etc
a jabuticaba daqui pastoreia a sombra no curral. e proteje as baias da chuva forte e do vento que na semana passada derrubou dois pés de aucalípto. tudo em minas é exagerado mas ninguém se dá conta. vento não é ventinho, trovão tem a voz mais rouca do mundo, parece que o céu explode e raio cai 10 vezes no mesmo lugar.

pois é. acontece que meu rei precisa ficar em gaiola pequena porque já se acostumou ao tamanho do salto que precida dar para pular de poleiro a poleiro. hoje vi que ele buscava o bebedouro sem o encontrar, o bico o perseguia mas a água ele não encontrava. enfim, depois da minha agonia fartou-se de beber. ah, o meu rei. e se me pergunto se devo soltá-lo tenho medo que não encontre comida. mas quem acredita que gaiola é vida de passarinho?

enquanto isto a passarinhada, jandaias , periquitos, azulões, canários da terra, andan pelas flores e fazem a barulhada. enfim, todos temos nossa gaiola para carregar, seja que imensidão ela tenha, do céu ou de uma edícula...

e agora, engaiolaram mais a língua portuguêsa com este acordo ortográfico. virou passarinho na gaiola. pergunto-me se é excesso de realismo, tal feito, ou falta de. sem resposta.
machado de assis tem um contar sobre as "idéias de um canário" :

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"Padeci muito; felizmente, a fadiga estava passada, e com algumas horas pude sair à varanda e ao jardim. Nem sombra de canário. Indaguei, corri, anunciei, e nada. Tinha já recolhido as notas para compor a memória, ainda que truncada e incompleta, quando me sucedeu visitar um amigo, que ocupa uma das mais belas e grandes chácaras dos arrabaldes. Passeávamos nela antes de jantar, quando ouvi trilar esta pergunta:

— Viva, Sr. Macedo, por onde tem andado que desapareceu?

Era o canário; estava no galho de uma árvore. Imaginem como fiquei, e o que lhe disse. O meu amigo cuidou que eu estivesse doido; mas que me importavam cuidados de amigos?

Falei ao canário com ternura, pedi-lhe que viesse continuar a conversação, naquele nosso mundo composto de um jardim e repuxo, varanda e gaiola branca e circular.

— Que jardim? que repuxo?

— O mundo, meu querido.

— Que mundo? Tu não perdes os maus costumes de professor. O mundo, concluiu solenemente, é um espaço infinito e azul, com o sol por cima.

Indignado, retorqui-lhe que, se eu lhe desse crédito, o mundo era tudo; até já fora uma loja de belchior.

— De belchior? trilou ele às bandeiras despregadas. Mas há mesmo lojas de belchior?"


Texto extraído do livro “O Alienista e outros contos”, Editora Moderna – São Paulo, 1995, pág. 73

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