TRIBUTO À COLA BRANCA
Escreve Vera Guimarães
Aprendi recentemente uma técnica fantástica para quando
preciso fazer uma manicure doméstica de emergência: passo cola branca ao redor
da unha, espero secar, passo o esmalte, espero secar, aí vou retirando
cuidadosamente a película de cola. Pronto! A unha está com acabamento perfeito,
sem precisão de muita acetona no algodão nem de habilidade para não borrar o
serviço.
Daí comecei a me lembrar das colas da minha infância e de lá pra frente
Na casa da minha
infância, década de 1940, transição entre o rural e o urbano, eu tinha notícia
de que se colavam pés de pintos e galinhas com clara de ovo (?), trapos e tala.
No meu grupo escolar dessa mesma época, quase não se usava cola. Os livros eram
para ser lidos, cuidados, guardados e passados para os irmãos mais novos. Os
cadernos eram para anotações. Só de vez em quando precisávamos de cola, fosse
para ajustar uma capa de caderno, ou remendar uma folha de precioso livro
(todos os livros eram preciosos), quando entrava em curso complicada operação:
recortava-se tira de papel de seda, a ela se aplicava certeira camada de cola –
nem tanto que derretesse o papel de seda, nem pouco que não aderisse -,
juntavam-se as partes da folha rasgada com o máximo de precisão para continuar
legível, ficava-se de vigia aguardando a secagem, alisando a folha para que não
“encorungasse” e cuidando para que não encostasse e colasse outra folha. Minucioso,
né?
E que cola era essa? Ah, era feita em casa, no fogão, uma
mistura de água e farinhas variadas, e as mais nobres, de polvilho. Dependendo
da textura, era grude, goma ou cola. E tinha muitos outros usos, além do
escolar. Os meninos a fabricavam na rua mesmo, com alguma lata servindo de
fogareiro, e depois usavam o grude para prender o papel nas varetas dos
“papagaios”, que alguns chamam de pipas, e também para colar as figurinhas de
jogadores de futebol, bandeiras e artistas de cinema em cobiçados álbuns.
Já no ginásio (ensino médio), década 1950, usei cola
para fazer os queridos sólidos geométricos – cubos, pirâmides, cilindros... Não
consegui aprender Matemática e sua Geometria, mas adorava construir esses
objetos.
No
caso das meninas, nessa década, para manter volumosas e espetaculares nossas
amplas saias rodadas, usávamos anáguas, saias internas de morim, algodão ou
entretela, endurecias a poder de goma e ferro de passar. Falei disso na crônica
Roupas de Estimação: “Sinto o peso das anáguas engomadas, peso no corpo e na consciência, já
que nunca era eu que as engomava, mas minha mãe.”
Cola memorável, que ainda hoje, mais de 50 anos depois, ainda me aparece
como amistoso fantasma, é a goma arábica dos Correios, em lindo vidro no
formato do Pão-de-Açúcar, mas bem melequenta.
Depois disso, o progresso no ramo colístico se acelerou: cola branca,
cola em bastão, araldite, durepox, superbonder, fitas gomadas, fitas gomadas
double-face... até chegarmos à perfeição do COPIAR E COLAR. Voilá!
Ué, e o tributo à cola branca? Ah, sim, disso não me esqueço!
Pareço uma
boa mãe, só pareço, já que num dia atarefado, precisando manter distraída a
filha de três anos, não hesitei: passei cola branca nos dedinhos dela, o que
ela adorava, para se deliciar tirando as películas secas. Eeeeeba! me garanti
meia hora sem interrupções!
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